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Somos numerosos demais e estamos próximos de esgotar os recursos da Terra?

hiperconsumo
Imagem: Stockxpert

Terça-feira, 23 de setembro de 2008 – marquem essa data. Foi o “dia da superação“, o “earth overshoot day” do ano. A data em que a população humana esgotou os recursos produzidos em um ano pela fina camada viva que envolve a Terra – a biosfera ou ecosfera. Desde então, estamos além do que o planeta nos oferece – sua biocapacidade.

Como identificamos essa terça-feira fatal com tamanha precisão? Graças à organização não- governamental canadense Global Footprint Network, fundada em 2003, que trabalha para quantificar a “pegada ecológica” dasatividades humanas. Esse instrumento de análise, espécie de “cesta da faxineira” global, ou de PIB ao contrário, foi implementado depois da Cúpula da Terra do Rio em 1992, pelos professores universitários William Rees e Mathis Wackernagel. Hoje, ele é reconhecido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), embora sempre criticado e reavaliado. Matéria de Frédéric Joignot, do Le Monde.

Para fazer o cálculo, a Global Footprint Network compara o ritmo em que, a cada ano, a natureza produz seus recursos – alimentos, combustíveis, etc – e assimila os dejetos, e o ritmo anual em que a humanidade consome esses recursos e produz dejetos. Quando superamos as possibilidades terrestres, atingimos o “dia da superação”. O primeiro, segundo a ONG, caiu em 31 de dezembro de 1986. Em 1996 ele se situou no início de novembro. Em 2007, em 6 de outubro. Hoje, em 23 de setembro. E daqui a dez anos? Nosso crédito terrestre se esgota – depois do crédito bancário.

Uma representação chocante que vale mais que um longo discurso, os pesquisadores avaliam a “pegada ecológica” do Homo sapiens em hectares terrestres. A OCDE dá esta definição: “A medida da superfície biologicamente produtiva necessária para suprir as necessidades de uma população humana de determinado tamanho”. Os últimos cálculos mostram que superamos amplamente nossa cota – em escala global. Hoje a Terra só pode oferecer 1,78 hectare global (hag) por habitante, nem um centímetro quadrado a mais. Mas o consumo mundial atual exige 2,23 hag produtivos per capita. E os cálculos mostram que se o conjunto da população humana adotasse hoje o modo de vida dos europeus e dos americanos – carros, água quente à vontade, carne todos os dias, energias fósseis conforme necessário… – seria preciso ter uma superfície de quatro a cinco planetas Terra.

Não riam! As novas classes médias chinesas e indianas começaram a viver no estilo ocidental – quem poderia censurá-las? Acrescente as poluições de todo tipo associadas a esse estilo de vida. Em outubro de 2007, quatro pesquisadores suíços ligados à Futuribles, um centro independente de estudo e de reflexão prospectiva sobre o mundo contemporâneo, acrescentaram os poluentes e a “carga de carbono” à pegada ecológica das populações: eles deduzem, em relação à capacidade de assimilação das emissões de CO2 pela biosfera, que seriam necessários 11 planetas Terra para satisfazer as necessidades de uma humanidade que adotasse o modo de vida ocidental.

Previsões sombrias

Não é de surpreender, portanto, que muitos se perguntem: será que já somos numerosos demais para esta Terra? Nossa demografia não é a causa de nossos problemas ecológicos, mas também políticos, sociais, militares, como já afirmava o austero Thomas Malthus em 1798?. As “revoltas da fome” que em abril de 2008 sacudiram países muito povoados – Burquina Fasso, Camarões, Costa do Marfim, Egito, Haiti, Indonésia, Marrocos, Filipinas, Nigéria, Senegal… – não lhe dão razão? O pastor e economista britânico Thomas Malthus afirmou que a população humana cresce de forma exponencial (1, 2, 4, 8, 16, 32…) e os recursos, de forma aritmética (1, 2, 3, 4, 5…). Inevitavelmente, iríamos rumo ao esgotamento dos bens, da fome, da guerra de todos contra todos.

O prêmio Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, demonstrou que Malthus tinha razão em sua época: os agricultores franceses de 1789 viviam em penúria crônica, 20% deles enfraquecidos pela desnutrição. Mas no século 19 suas previsões sombrias foram desmentidas pelo crescimento do rendimento agrícola, o desenvolvimento do comércio internacional e dos bens de subsistência, sem esquecer a imigração. Dito de outro modo, o espírito aventureiro e os progressos das técnicas, o gênio humano, desmentiram Malthus.

Pena. Hoje sabemos que é preciso relativizar os sucessos do “progresso” e do rendimento. A pegada ecológica e o aquecimento que se acelera, combinados com um forte crescimento da população, não levam a humanidade a uma situação “malthusiana” – uma espiral trágica? Muitos pensam assim, e não somente os militantes do decrescimento ou os radicais do movimento neomalthusiano Negative Population Growth (NPG).

Vejam Ted Turner, fundador da rede de notícias CNN, grande financiador da Fundação das Nações Unidas. Esse homem informado declarou em abril de 2008 na rede PBS: “Somos numerosos demais. Por isso temos o aquecimento climático. […] Todos os habitantes do planeta devem se comprometer a ter um ou dois filhos, no máximo. […] Não controlar a população é um suicídio”. Entrem no site notre-planete.info, ligado à ONG Amigos da Terra, e digitem “superpopulação”. Entre os primeiros artigos surge “Homo sapiens é a pior espécie invasora”. Trechos: “Nós fingimos ignorar a finitude de um mundo do qual nossa multidão abusa alegremente e sem descanso. É preciso algo mais que um casal para fazer um filho: é preciso pelo menos um planeta viável. Possuir uma família numerosa não é um delito ambiental, um grave ataque ao planeta e ao futuro comum?”

Escutemos agora o inquietante diretor da CIA de George W. Bush, o general Michael V. Hayden, outro homem informado. Em abril de 2008, baseando-se nos números da ONU que anunciam uma população de 9 bilhões de seres humanos em 2050, ele prevê um perigoso desequilíbrio demográfico entre a África e a Europa, que envelhece – sinônimo de tensões nas fronteiras e de uma imigração de risco -, assim como “distúrbios” e “violência” nos países onde a população vai triplicar – Afeganistão, Libéria, Níger, República Democrática do Congo – ou duplicar – Etiópia, Nigéria, Iêmen.

Declarações angustiadas

Assim que alguém cita a superpopulação, abre-se a caixa de Pandora. Velhos demônios, angústia do futuro, fantasmas coletivos – medo da invasão, da pululação – brotam para se misturar a temores muito concretos. Em 1932, quando a população humana atingiu 2 bilhões, o filósofo Henri Bergson escreveu: “Deixem vir Vênus, ela lhes trará Marte”. Em 1948, Albert Einstein advertiu solenemente o Abbé Pierre contra as “três explosões” que ameaçam nosso “mundo mortal”: a bomba atômica, a bomba da informação, a bomba demográfica. Em 1971, na linhagem do Clube de Roma, o ecologista Paul R. Ehrlich, especialista em populações de insetos, publicou o best-seller “La Bombe P” (A bomba P, ed. Fayard). Nele, denunciou a “proliferação humana”, que compara a um “câncer”: “carros demais, fábricas demais, detergentes demais, pesticidas demais… óxido de carbono demais. A causa é sempre a mesma: gente demais na Terra”.

Hoje, basta escutar os programas de “variedades” na televisão, percorrer os sites ecológicos ou os bate-papos de atualidade na mídia para encontrar essas declarações angustiadas. Lemos, por exemplo, nos debates do Monde.fr, depois de um artigo dedicado ao “dia da superação”: “Daqui a 30 anos, quando seremos 1,5 bilhão a mais na Terra, não confio muito no conceito de privilégio social, de progresso do poder aquisitivo e outras bobagens do mesmo nível” (25 de setembro de 2008).

Essa angústia também pode ser amplificada por mentiras modernas sobre a invasão que vem do sul superpovoado. Mas, contradizendo essa demagogia, um relatório publicado em 2004 pelo departamento de assuntos econômicos e sociais da ONU (World Population to 2300) indica que os imigrantes vindos dos países pobres contribuirão com 4% do crescimento demográfico dos países desenvolvidos até 2050 – hoje com 3% -, o que vai rejuvenescer uma Europa que envelhece. Todos os estudos confirmam que em sua imensa maioria as populações do sul querem continuar vivendo onde elas nasceram. Mesmo nas situações de crise – guerra civil, seca, inundações… -, os habitantes emigram para lugares próximos ou um país vizinho, depois sempre retornam. Não são “invasores”. Eles desejam viver melhor e em paz em suas terras – como o resto da humanidade.

É claro que a questão chamada de superpopulação revolve temores irracionais. Tomemos um outro exemplo, menos político. Encontrei várias parisienses de 30 anos, casadas ou solteiras, que se dizem decididas a não ter filhos. Sem pretender dar aqui uma explicação inequívoca – algumas querem preservar sua “capacidade de criação”, outras sua relação de casal ou sua liberdade, ou os três -, deve-se constatar: a superpopulação surgiu todas as vezes em nossas entrevistas, misturada com análises preocupadas sobre o estado do planeta. Como no livro de Corinne Maier, “No Kid. Quarante raisons de ne pas avoir d’enfant” (Quarenta motivos para não ter filho, ed. Michalon, 2007), no qual um dos motivos citados é: por que colocar mais uma criança em um mundo superpovoado?

Uma dessas mulheres, adida de imprensa, explica que de tanto viver na cidade não tem mais a impressão de participar “dos processos naturais” – ela não vê mais a renovação da vida, a chegada da primavera, “há apenas o céu”. Ela não se sente mais “uma mulher arcaica”, com filhos. A segunda, engenheira, não espera mais nada do futuro da humanidade. Ela tem na memória os massacres do século 20, convencida de que o aquecimento climático, combinado com a superpopulação, vai trazer novas guerras, fome ou coisas piores. Então, fazer filhos… Outra se indigna: “Já existem tantas crianças pobres em todo o mundo. Prefiro adotar”. Uma quarta, viajante, viu os hindus e os muçulmanos se confrontarem na Índia, os ricos se armarem nos guetos protegidos da América Latina. “É terrível”, ela diz, “uma outra guerra virá, a guerra da superpopulação. O ódio pelo outro torna-se uma reação de sobrevivência. Todos os valores se invertem. Esperar que os africanos morram de Aids ou se matem entre eles virou piada de escritório: Assim serão menos!” Visões sombrias. Então, devemos nos tornar malthusianos?

A “bomba P” não vai explodir

“A demografia sempre foi associada ao fim do mundo, ao desaparecimento do homem, ao julgamento final”, comenta o demógrafo Hervé Le Bras. “Procedendo por projeções, a interpretamos como previsões, sempre catastróficas. No início do século, na Europa, temíamos sobretudo a depopulação! Os franceses precisavam procriar, não devíamos deixar os alemães ser mais numerosos que nós. Os economistas associavam natalidade a prosperidade. Nos anos 1970, tudo mudou com os ecologistas como René Dumont, que previam o rápido esgotamento dos recursos. Alguns demógrafos anunciavam então uma população de 12 bilhões em 2100. Hoje estamos revendo todos esses números para baixo.”

Le Bras, diretor de pesquisas no Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED), conta com humor como todas as previsões de longo prazo, bem sustentadas, sobre a população humana – o demógrafo americano Joel Cohen reuniu 68 – se revelaram falsas. Sim, mas e hoje? Como são as previsões em curto prazo – para 2030 ou 2050? De fato, em menos de 200 anos a humanidade passou de 1 bilhão de habitantes (no início do século 19) para 6 bilhões (em 1999). Entre 1987 e 1999, ou seja, em 13 anos, de 5 para 6 bilhões. Hoje, muitas previsões para 2050 giram em torno de 8,4 a 9,5 bilhões de seres humanos – ou seja, 3 bilhões a mais.

Esse crescimento exponencial que tanto assustou Malthus vai parar um dia? Teremos recursos suficientes para nos alimentarmos? Sim e sim. Eis a grande novidade dos estudos recentes. Desmentindo os alarmistas, hoje os demógrafos descrevem em todos os lugares do mundo uma forte redução da fecundidade das mulheres – portanto, do crescimento da população. Segundo eles, e também a ONU, a “bomba P” não vai explodir. O que aconteceu? Simplesmente, nos cinco continentes, as mulheres têm menos filhos.

“Ninguém havia previsto a rápida diminuição da fecundidade nos países em desenvolvimento”, explica Le Bras. “Vejam o Irã. De uma fecundidade de 6,5 filhos por mulher em 1985, hoje o país está em 2 filhos, como a França! Na China, muitos pensavam que seria difícil impor o filho único por causa da tradição do filho homem, de sua civilização, etc.. Mas isso foi relativamente fácil e rápido. Hoje conta-se 1,75 filho por mulher. E também 400 milhões de chineses anunciados pelas curvas demográficas não nasceram. Podemos pensar que os chineses estavam dispostos a aceitar isso. Na Índia, essa política de controle de nascimentos foi menos bem recebida. No norte do país ainda há 4,5 filhos por mulher. Mas em média a Índia passou para menos de 3 filhos por família.”

Sejam quais forem as políticas adotadas, todos os efeitos de anúncios catastróficos sobre a espiral de nascimentos nos países pobres, às vezes tingidos de racismo ou de uma concepção agressiva do “choque de civilizações”, foram desmentidos.

“Hoje a taxa de crescimento demográfico mundial diminui”, explica Le Bras. “1,21% ao ano em 2006, 0,37% esperados para 2050. Por quê? O número de filhos por mulher diminui nos cinco continentes. No México, no Brasil, gira em torno de 2,2 a 2,3 filhos por família, 2,4 na Indonésia. Na África, se as mulheres de Ruanda e de Uganda ainda têm 7 ou 8 filhos, no Quênia, por exemplo, de 8 filhos por mulher nos anos 1970 passaram para 4 hoje. As inversões de tendência ocorrem muito rapidamente.”

Fenômeno universal

Em toda parte, as mulheres têm menos filhos. O fenômeno se universaliza. Muitas vezes, para que a natalidade diminua, é preciso, segundo os demógrafos, um “elemento detonador” que transforme os costumes. Por exemplo, na Argélia nos anos 1970 as mulheres se casavam muito jovens, tinham filhos cedo e geravam em média mais de 7 filhos ao longo da vida. Hoje, sempre em média, elas se casam com 29 anos e têm 2,4 filhos. Na Europa meridional (Itália, Espanha, Grécia) contamos 1,4 filho por mulher – e essa tendência abrange todo o Mediterrâneo.

Em seu estudo sobre a demografia do mundo muçulmano, “Le Rendez-vous des civilisations” (O encontro das civilizações, ed. Seuil, 2007), Youssef Courbage e Emmanuel Todd mostram que a fecundidade das mulheres passou de 6,8 filhos em 1975 para 3,7 hoje – 2,2 no Marrocos, 2,1 na Tunísia. Essa queda, eles comentam, acompanha principalmente a alfabetização das mulheres. Essa tomada de controle inaugura, segundo os autores, uma revolução de mentalidades “que se irradia para as relações de autoridade, as estruturas familiares, as referências ideológicas (e religiosas), o sistema político”. Sobre essas questões, o “choque de civilizações” anunciado pelos conservadores americanos não ocorrerá.

Se a “bomba P” dos malthusianos não explodirá, é porque em todas as culturas, em todos os continentes, contradizendo muitas idéias sobre o islamismo, a aceitação do modelo da família de dois filhos ganha espaço rapidamente. Hoje, se essa revolução dos costumes continuar, os demógrafos da ONU apostam em uma população humana de 8,2 bilhões em 2030, 9 bilhões em 2050 – e uma estabilização em 10,5 bilhões em 2100. A população humana terá então terminado sua “transição demográfica”: a desaceleração da fecundidade ocorrerá apesar do envelhecimento geral. Alguns pesquisadores, entretanto, como Mike Davis, autor de um estudo inquietantes sobre a proliferação das favelas, “Le Pire des Mondes possibles” (O pior dos mundos possíveis, ed. La Découverte, 2007), relativizam esse entusiasmo. “Eu me surpreendo que as previsões dos demógrafos da ONU para o século variem em cerca de 3,5 bilhões de habitantes entre as avaliações baixas e altas: é a população mundial quando eu era criança…”, ele escreveu no Monde 2. Com efeito, bastaria uma variação de 0,25% em relação ao cenário de 2,1 filhos por mulher (2,35) para termos 30 bilhões antes de 2050. Mas todos os estudos confirmam: é geral a redução da fecundidade feminina para cerca de 2 filhos.

Alimentar 9 bilhões de pessoas

Além das angústias e dos temores, a verdadeira grande questão colocada pela população serão os recursos: os países, os solos, a Terra poderão alimentar – e sustentar – uma população de 9 ou 10 bilhões de habitantes? Aqui é necessário fazer um desvio. Na verdade, falar de uma população “global” como de um grande rebanho não tem grande significado. Como comparar o modo de vida dos habitantes do Laos com os da Finlândia, que têm população igual? Da Argélia, terra de emigração, e do Canadá, de imigração? Hoje a natalidade dos países menos desenvolvidos avança seis vezes mais rápido que a dos países desenvolvidos – que envelhecem e se estabilizam. Em 2050, 86% da população mundial habitarão um país pobre ou emergente – a metade na China e na Índia, que possuem políticas antinatalidade.

As repercussões desse povoamento vão variar fortemente de uma região e de um país para outro, conforme a fertilidade dos solos, a água, a qualidade da terra. Mas sobretudo conforme as políticas governamentais – econômicas, agrícolas, sociais. O prêmio Nobel de Economia de 1998, o indiano Amartya Sen, demonstrou como a pobreza e a fome não decorrem principalmente de uma população numerosa demais, mas da falta de vitalidade democrática e da ausência do Estado social. A Índia, por exemplo, teve grandes fomes até 1947, data de sua independência. Depois, o pluripartidarismo, a existência de uma oposição e de uma imprensa livre permitiram evitar e conter os desastres. Além disso, a Índia alimenta hoje uma população de 1 bilhão porque conseguiu sua “revolução verde” – irrigação, conservação dos solos, adubos, rendimento – graças a uma política de Estado decididamente voltada para a autossuficiência.

Hoje, 850 milhões de pessoas sofrem de desnutrição no mundo. A maioria vive nos países do sul que foram abalados pelas revoltas do pão na primavera de 2008. É porque eles são populosos demais? Em junho, em uma reação de emergência, os responsáveis da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) realizaram uma cúpula. Seus especialistas não acusaram a superpopulação, mas antes de tudo o aumento de 50% no preço dos cereais. Eles também denunciaram uma produção agrícola mundial insuficiente. Não por causa do esgotamento das terras, mas de sua má utilização.

Os agrônomos lembraram que, há meio século, sem se preocupar com as populações locais, os países do norte financiam as culturas de exportação dos países do sul (principalmente da América Latina) – o algodão, as pastagens para o gado – em detrimento das culturas de alimentos. Ao contrário do que aconteceu na Índia, essas políticas neocoloniais arruinaram a agricultura desses países, com a ajuda de governos autoritários e corruptos. Resultado: a África subsaariana, ontem autossuficiente, é obrigada a importar seus produtos de subsistência. Aqui também, como analisa Amartya Sen, não adianta acusar o crescimento demográfico. É preciso examinar as políticas. Eis por que a FAO pede agora uma governança agrícola mundial, sob a égide da OMC, ajudada pelo Banco Mundial, para recuperar as produções de alimentos e de cereais – até nas terras da Europa. Com uma política agrícola concertada, o planeta poderá realmente suprir as necessidades de uma população de 10 bilhões.

O relatório 2008 da OCDE, Perspectivas do Meio Ambiente para 2030, é tão alarmista quanto a FAO. Ele nos promete, caso não haja uma política mundial voluntarista, um futuro muito desagradável. Conhecemos o refrão. Um aquecimento de 1,7 a 2,4 graus centígrados em 2050 – previsão baixa. Seca, tempestades, inundações, destruição das infraestruturas. Um empobrecimento considerável dos “serviços preciosos dos ecossistemas”. O crescimento do “estresse hídrico” para 3 bilhões de pessoas – uma água mal distribuída, maior poluição do ar. O crescimento da população humana é a causa principal dos flagelos anunciados? Em uma carta ao Monde 2, especialistas da OCDE respondem: “A população não representa um problema em si. As pressões exercidas sobre os recursos naturais e o meio ambiente não vêm do número de habitantes, mas de seus hábitos de consumo”.

Políticas irresponsáveis

Nossa infelicidade virá dos modos de vida de desperdício, das políticas industriais, dos egoismos nacionais – comportamentos que poderíamos mudar. Alguns exemplos são chocantes. Segundo o relatório 2008 da Agência Internacional de Energia (World Energy Outlook 2008), milhões de carros ainda vão ser movidos a petróleo em 2030, emitindo grande quantidade de CO2. Por que petróleo? Porque as grandes fábricas de automóveis resistem a mudar suas cadeias de montagem e fabricar carros “verdes” – como querem os governos que as socorrem desde a crise financeira de 2008. O relatório da FAO “O estado da insegurança alimentar no mundo” (novembro de 2008), nota que com a melhora do nível de vida nos países emergentes milhões de pessoas comerão mais carne, o que exigirá um gado mais numeroso, bebendo mais água, pastando em terras perdidas pelas culturas alimentícias. Aqui também não há nada a fazer? Ou é preciso fazer campanha para que os ocidentais contenham sua “bulimia de carne”, como preconiza o economista Jeremy Rifkin?

Outro comentário dos especialistas da OCDE ao Monde 2: sabemos perfeitamente que, por suas virtudes regeneradoras, os ecossistemas nos salvam de uma poluição terrestre acelerada e de um empobrecimento geral. Mas governos e industriais, nos EUA como nos países emergentes, ainda perseguem políticas irresponsáveis: subvenções à agricultura intensiva, aos petroleiros poluentes, permitir o emprego de produtos químicos, a pesca industrial – sem esquecer as emissões maciças de CO2. “Se nenhuma nova ação for tomada, corremos o risco de modificar de modo irreversível as condições ambientais nas quais repousa a manutenção da prosperidade econômica: as conclusões do relatório 2008 da OCDE são ainda mais preocupantes que as do relatório Stern (A Economia da Mudança Climática, 2006), que pedia para dedicar 1% do PIB mundial para “descarbonizar” a indústria. Novamente, estão em questão as políticas, e não o número de habitantes.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

* Matéria [Sommes-nous trop nombreux?] do Le Monde, originalmente publicada no LE MONDE 2, 09.01.09, 19h00 • Mis à jour le 09.01.09 | 19h04

* No UOL Notícias, Mídia Global, 11/01/2009 – 00h00

[EcoDebate, 13/01/2009]

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