Pesquisadores da Fiocruz analisam a distribuição de profissionais de saúde no Brasil
Enquanto no Rio de Janeiro há cerca de um médico para 275 habitantes, proporção é de um para 1,5 mil no Maranhão (foto: divulgação)
Saúde desigual – No ano de 2007 havia um médico para cada 1,5 mil habitantes no Estado do Maranhão, enquanto essa proporção era de um para 275 no Rio de Janeiro e de um para cerca de 400 habitantes em São Paulo.
A distribuição desigual dos médicos pelo Brasil é consequência de outro problema: a concentração dos serviços de saúde e das escolas médicas em regiões economicamente mais favorecidas. Das cerca de 120 faculdades de medicina existentes no Brasil no mesmo ano, 67% estavam na região Sul e Sudeste, sendo que, dessas, 75% se localizavam nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
“Atualmente, mais de 400 municípios no Brasil não contam com um único médico disponível à população. Isso leva o país a um grande constrangimento, à medida que a saúde é um princípio constitucional e um direito universal”, disse Romulo Maciel Filho, pesquisador do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz, no Recife, à Agência FAPESP.
“Esses municípios estão concentrados fundamentalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”, apontou o autor do livro Rumo ao interior: médicos, saúde da família e mercado de trabalho, que acaba de lançar pela Editora Fiocruz ao lado de Maria Alice Fernandes Branco, também do Departamento de Saúde Coletiva do CPqAM/Fiocruz.
O livro, escrito com base na tese de doutorado de Maciel, defendida em 2007 no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, faz uma ampla análise sobre a distribuição geográfica de médicos e outros profissionais da saúde no Brasil, de modo a fornecer subsídios para o enfrentamento do problema.
“A lógica de desenvolvimento urbano concentrado no Sul e no Sudeste não só amplia as ofertas de trabalho para os médicos como também concentra os aparelhos formadores desses profissionais. Hoje, o Brasil conta com cerca de 140 faculdades de medicina, sendo aproximadamente 70% no Sul e Sudeste”, disse Maciel.
O primeiro capítulo da obra discute o atual cenário da distribuição dos médicos no Brasil, abordando encontros e desencontros entre o mercado de trabalho e a oferta desses profissionais nas diversas regiões do país, enquanto o segundo mostra como o país, desde a década de 1960, vem lidando com a má distribuição de médicos a partir de intervenções do governo para a fixação de médicos em regiões menos favorecidas.
São analisados quatro programas de estímulo à transferência de profissionais dos grandes centros urbanos, especialmente das regiões Sul e Sudeste, para o interior do país: o Projeto Rondon, o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento, o Programa de Interiorização do SUS e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits).
Tentativa de descentralização
O Pits, a iniciativa mais recente do Ministério da Saúde entre as abordadas no livro, conduzida na gestão do então ministro José Serra, é avaliado em detalhes no terceiro capítulo. O programa funcionou de 2001 a 2003 em cerca de 300 municípios.
A iniciativa selecionou centenas de médicos e enfermeiros para trabalhar em municípios que não dispunham de atenção à saúde, com altos índices de mortalidade infantil e de doenças como malária, tuberculose e hanseníase.
“O programa registrou altos índices de rejeição dos médicos em ir para as regiões mais longínquas. Existem municípios no Norte do país que oferecem quase R$ 20 mil por mês a um médico e mesmo assim é difícil achar profissionais disponíveis”, disse Maciel, que na época foi um dos coordenadores do Pits no Ministério da Saúde.
“Com base em questionários aplicados aos médicos que se inscreveram no programa, identificamos que muitos não são movidos pelo salário. Apesar da boa remuneração e todos os benefícios para a carreira do profissional, são duas as grandes questões que impedem o deslocamento de médicos para outras regiões do país”, disse.
O primeiro, de caráter mais estrutural, diz respeito à formação do médico. “As universidades formam atualmente os profissionais para trabalhar dentro de hospitais. Eles aprendem a trabalhar a maior parte do tempo com máquinas e, consequentemente, têm pouco contato com pessoas”, contou.
Outro impedimento é o isolamento, ou a falta de comunicação e as perspectivas de os médicos ficaram “defasados” em sua formação por terem que trabalhar em lugares com pouco contato com o resto do mundo. “Com o rápido avanço tecnológico e com a velocidade que o conhecimento científico avança, o médico necessita interagir cotidianamente com outros profissionais em hospitais ou centros de saúde”, disse Maciel.
As políticas nacionais voltadas à melhor distribuição e fixação de médicos no Brasil, com críticas e sugestões para o enfrentamento do problema da concentração no Sul e Sudeste – cuja descentralização é, segundo o autor, um dos principais desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) no país –, são abordadas no quarto capítulo do livro.
“Essa questão, que está no centro das discussões de órgãos como a Organização Mundial da Saúde, deve ser tratada regionalmente no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como parte do plano de desenvolvimento econômico e social do país. Um ponto fundamental, por exemplo, é o estímulo à criação de novas faculdades em regiões menos favorecidas onde não há oferta desses profissionais”, afirmou.
Mais informações sobre o livro: www.fiocruz.br
Matéria de Thiago Romero, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 14/01/2009.
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