Desmatamento da Amazônia em 2008 não é só notícia ruim, artigo de João Paulo Ribeiro Capobianco
Desmatamento na Amazônia, em foto de arquivo MMA
O número que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) acaba de divulgar sobre o desmatamento estimado para a Amazônia no período 2007 a 2008 trás más e boas notícias e deixa uma dúvida no ar.
As más notícias são basicamente duas. A primeira é que 11.968 quilômetros quadrados configuram um desmatamento muito alto, ainda mais quando lembramos que mais de 80% desta derrubada é ilegal, ou seja, não foi previamente autorizada como determina a lei. Aliás, boa parte dela está na verdade duplamente ilegal. Não foi autorizada e simplesmente nunca seria já que em muitos casos ocorrem em áreas de preservação permanente – margens de rios, abrigo de espécies ameaçadas de extinção, áreas de declive acentuado – ou de reserva legal, que na Amazônia compreende 80% das propriedades rurais.
A segunda má notícia, que torna ainda mais grave a primeira, é que este número significa uma reversão de um período de três anos consecutivos de queda no desmantamento que levou a uma redução acumulada de 58% na sua taxa entre 2004 e 2007.
Neste contexto, não é fácil fazer uma leitura positiva. Entretanto, considerando que todos os envolvidos nesta questão concordam que reverter definitivamente o desmatamento na região exige um processo permanente e persistente de médio prazo, há novidades muito importantes por trás deste número que não podem passar despercebidas.
Embora seja uma estimativa, pois o INPE ainda não teve tempo hábil para examinar todas as mais de 200 imagens de satélite que cobrem a região, processo que só deverá estar concluído no final do primeiro semestre do próximo ano, sabemos que o desmatamento de 2008 ficou cerca 3,8% acima do de 2007. Condiderando a margem de erro do sistema, o próprio Instituto afirma que o desmatamento pode ser considerado estável. É aí que surge a primeira pista de que há mais do que más notícias por trás destes números. Isso porque esta estabilidade é na realidade um fato novo e extremamente importante, face ao extraordinário crescimento da degradação florestal identificada no final do ano de 2007.
Aqui é importante um lembrete de caráter técnico. O desmatamento anual da Amazônia é medido de primeiro de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte. Portanto, a estimativa de taxa de desmatamento ora divulgada começou a ser medida em agosto de 2007 e foi fechada em 31 de julho de 2008.
Durante quase duas décadas a partir de seu início em 1988, o monitoramento da cobertura florestal da Amazônia revelava fatos consumados. Ou seja, quando uma taxa era apresentada, significava que o dano já havia ocorrido. Era o que alguns chamavam de contabilidade da desgraça: ficávamos sabendo um ano ou dois anos depois, quanto havíamos perdido de floresta na região. Os dados, portanto, não podiam ser utilizados para atuar no sentido de reverter processos ou tendências de desmatamento em tempo de evitar ou minimizar o problema.
A partir de 2004 esta realidade começou a ser alterada com o lançamento do Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) um novo sistema desenvolvido pelo INPE para monitorar os indícios de alteração na cobertura florestal. O principal propósito desse sistema não é o de medir desmatamento, mas gerar ao longo do ano, através de relatórios quinzenais e mensais, informações de apoio à fiscalização ambiental por meio da emissão dos chamados alertas de desmatamento. No entanto, embora não tenha a precisão necessária para medir áreas, a dinâmica na geração desses alertas indica a situação na floresta. Se eles aparecem em grande quantidade há intensa pressão antrópica e, portanto, tendência de mais desmatamento.
Foi exatamente isso que ocorreu em outubro, novembro e dezembro de 2007. Ao contrário dos valores baixos que normalmente eram registrados nesses meses em anos anteriores, ouve um aumento atípico no número de alertas emitidos pelo Deter neste período. Este fato levou o Ministério do Meio Ambiente a propor ao Grupo Interministerial de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia uma série de novos instrumentos na busca de reverter a tendência de crescimento do desmatamento.
Entre as medidas propostas e aprovadas pelo presidente Lula, destacam-se a definição dos 36 municípios críticos e prioritários para a fiscalização; a obrigatoriedade do recadastramento dos imóveis rurais nestes municípios; o embargo administrativo das áreas ilegalmente desmatadas; a corresponsabilização de frigoríficos, empresas processadoras de grãos, serrarias e outras que utilizem como materia prima produtos oriundos de áreas embargadas; e, o condicionamento do crédito rural oferecido por banco público e privado à comprovação da regularidade ambiental do demandante.
Estas medidas foram intensamente combatidas por lideranças rurais nos estados da Amazônia e em Brasília, que as consideravam excessivamente duras. No afã de revertê-las, tentaram de tudo, inclusive desacreditar os números do INPE, o que levou a um histórico sobrevôo de uma delegação de ministros e técnicos do Governo Federal, acompanhada do próprio governador do Mato Grosso e assessores, sobre as áreas identificadas nas imagens do Deter.
Em maio de 2008, após três meses de intenso bombardeio político, vários sinais indicavam que a pressão estava começando a surtir efeito no Palácio do Planalto, o que levou à renúncia da ministra Marina Silva e sua equipe, num ato extremo e vitorioso em defesa da manutenção das medidas.
Pois bem, o que se observa agora, após uma análise mais atenta dos números do Deter é que, assim como outubro a dezembro de 2007 foram atípicos por registrarem um aumento de alertas, os meses de maio a julho de 2008 também o foram, porém em sentido contrário: registraram uma forte queda em suas ocorrências. Ou seja, os meses que historicamente sempre registraram crescimento intenso no volume de áreas desmatadas, em função das condições climáticas favoráveis às queimadas e desmatamentos, registraram índices atipicamente muito baixos.
Ainda será necessário realizar algumas análises aprofundadas para avaliar o peso específico das ações adotadas pelo Governo Federal nesta abrupta redução. No entanto, uma primeira leitura da curva de evolução do preço da saca de soja e da arroba do boi gordo, nos mostrará que em julho ambas as commodities alcançaram altas recordes. E, naquele momento, não havia nenhuma expectativa de que teríamos a crise de Wall Street.
De qualquer forma, independente das causas específicas, não há duvida de que foi graças a essa redução que os números deste ano permaneceram estáveis em relação a 2007. Ou seja, mesmo sem obter uma desejada nova queda no desmatamento, foi possível evitar o pior.
Neste sentido, as boas notícias são exatamente estas. O Deter se consagrou como um sistema capaz de produzir dados de qualidade para avaliação de tendências. E, tão importante quanto isso, a experiência deste ano mostra que quando essas informações são levadas a sério e geram ações efetivas, é possível reverter processos antes considerados incontroláveis.
A dúvida a que me referi no início deste artigo é sobre os números do Deter, ainda não divulgados, de florestas que foram degradadas e, portanto, estão próximas de serem convertidas em corte raso. Essa é mais uma nova informação preciosa que o INPE poderá oferecer à sociedade brasileira a partir deste ano. Se o volume de áreas degradadas for muito grande, será preciso redobrar os esforços para contenção do desmatamento no período 2008-2009.
Serão necessárias, portanto, mais medidas de fiscalização, repressão e punição. E isso não deverá ter fim, pelo menos enquanto o Governo Federal continuar a deixar de dar efetividade à implantação das medidas econômicas sustentáveis previstas desde 2004 no Plano de Controle e Prevenção do Desmatamento na Amazônia.
(João Paulo Ribeiro Capobianco, biólogo e ambientalista, professor visitante da Universidade de Columbia, Nova Iorque, e pesquisador associado do IPAM. Foi Secretário de Biodiversidade e Florestas e Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente de 2003 a 2008)
* Artigo originalmente publicado em Clima em Revista, n° 9, Dez. de 2008/Jan. de 2009. Clima em Revista é uma publicação mensal on-line do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM)
Edição e reportagens: Maura Campanili
[EcoDebate, 08/01/2009]
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