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Artigo

Transposição: o estupro da Caatinga, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

[EcoDebate] “É de cortar o coração”. Foi dessa forma surpreendente que uma repórter – uma profissional – se referiu ao que viu nas obras da transposição em Cabrobó. Ela vira a devastação da Caatinga pelo Exército, as montanhas de árvores empilhadas, justamente numa região onde a desertificação mais avança no semi-árido brasileiro. E olha que o Exército é responsável por apenas 3% da obra e não fez muito mais que 1%. Portanto, o que ela viu é apenas um aperitivo.

Se a obra for à frente, aproximadamente 1000 km de canais cortarão à caatinga, sem falar no que vem depois em cada estado receptor. Com o propósito de isolar 2,5 km em cada margem, o resultado final do desmatamento será de pelo menos 2,5 mil km quadrados. Não é pouco para uma área já em processo de desertificação.

Some-se a esses dados iniciais toda a perspectiva que o aquecimento global trás para o semi-árido brasileiro. Segundo a Embrapa Semi-árido, haverá, no melhor dos cenários, a diminuição de 20% no regime das chuvas e também no volume atual do rio São Francisco. Ainda mais, o nível de evaporação vai se intensificar a cada centígrado de elevação da temperatura.

É por aí que passa a encruzilhada da civilização brasileira, desde o Vale do Itajaí ao Vale do São Francisco. Para uns a obra da transposição é desse tipo de “orgulho nacional”, como nos tempos do regime militar. Para outros, não passa de um estupro da caatinga, do rio, de “cortar o coração”.

Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra, colaborador e articulista do EcoDebate.

[EcoDebate, 04/12/2008]

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