A Caravana em defesa do São Francisco e do Semi-árido contra a Transposição, artigo de Apolo Heringer Lisboa
Nascente do rio São Francisco
A Caravana foi composta por dezoito pessoas, entre especialistas e representantes de movimentos sociais. Seus nomes aparecem neste texto como signatários da Carta enviada ao presidente Lula propondo o diálogo em torno de sete pontos centrais, como alternativa ao projeto de Transposição e apontando soluções alternativas para todo o Semi-árido brasileiro. A jornada, que teve início em Belo Horizonte, no dia 19 de agosto, percorreu em treze dias onze capitais brasileiras, e mais quatro cidades do interior nordestino, promovendo debates em Universidades, coletivas de imprensa, debates em rádio e televisão e visitas aos governadores dos estados. Foi mídia regional intensamente e alguma mídia nacional, destacando-se o programa Globo Rural. Durante a Caravana, foi distribuída a publicação Transposição – Águas da Ilusão, que reúne os principais argumentos contrários ao projeto do Governo.
A estratégia da Caravana buscou fortalecer e integrar os diversos movimentos contrários à transposição, não importando neste evento as motivações particulares de cada setor, para não deixar que posicionamentos ideológicos dividissem o front político de luta contra a transposição. Também não deixou de buscar o parlamento, o executivo, os partidos, as igrejas, as mídias, mesmo sabendo do papel omisso ou cúmplice da maioria deles. As divergências foram externalizadas mas para buscar as convergências, não fazendo o jogo do governo que é o de nos dividir desviando a nossa luta dos pontos comuns.
As consultas às diversas lideranças e movimentos foram realizados com a intenção de atingir o maior espectro possível de reprresentatividade. Este processo consumiu a maior parte da energia utilizada na organização do evento. Foi dificílimo articular agendas e viagens de cada liderança, sem falar das necessidades contábeis para prestação de contas em cada parada. Mas houve total harmonia em sua realização, todos os segmentos conhecidos participaram, todos reconheceram o sucesso do evento que ao final gerou uma carta ao presidente da República com uma agenda de oito pontos para negociação.
A Caravana teve repercussão muito forte em todos os 11 estados percorridos, levando no último dia o ministro Geddel Vieira Lima a ocupar rede nacional de televisão para contra-atacar nosso movimento. Fizemos o governo ficar na defensiva e alargamos os horizontes de milhares de pessoas. Por outro lado, o governo endureceu seu posicionamento contra o diálogo. Não respondeu à nossa carta propondo um encontro da Caravana com o presidente Lula para levar ao presidente uma proposta alternativa para negociação. O governo colocou diversos governadores calados, pois o sistema federativo no Brasil é mantido com a centralização absoluta do orçamento da União e os estados são subordinados, ainda quando seus interesses maiores são contrariados. Esta é uma das razões porque calaram a oposição, formando uma massa disforme de adesismo no país, uma doença grave para a democracia.
Belo Horizonte (MG) – O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), depois de ouvir atentamente os argumentos de todos os integrantes, manifestou apoio à Caravana e declarou: “no momento que ficar mais claro que essa transposição pode ter como destinatário final, grandes empreendimentos econômicos e não as pessoas, nós mudamos de patamar a discussão e iremos alcançar uma proposta. Se conseguirmos mostrar que para as pessoas existem caminhos de muito menos riscos, aí a gente recoloca a discussão num patamar adequado”. E o governador continuou: “fiz questão de recebê-los por acreditar nesse caminho, e me acionem, da forma que vocês acharem que eu possa está atuando. Eu, mesmo nas conversas mais pessoais com o governo, vou continuar mostrando o equívoco disso, e posso até estar enganado, mas espero que não, isso não vai se realizar”, afirmou Aécio Neves aos componentes da Caravana. Além disso, Aécio disse que vai orientar sua base aliada em Brasília para reintroduzir a transposição e a convivência com o semi-árido na agenda do país.
No entanto, o deputado Nárcio Rodrigues não levou adiante a recomendação do governador, apenas recebeu protocolarmente os membros da Caravana, em nome das presidência da Câmara, não tendo conseguido levar a Câmara a debater a transposição, conforme prometera.
A Caravana também esteve reunida durante o dia com outras lideranças e instituições. Logo no início da manhã foi recebida na Assembléia Legislativa de Minas Gerais pelos deputados estaduais Fábio Avelar, Wander Borges, João Leite, Gil Pereira e Antônio Carlos Arantes. Os integrantes da Caravana expuseram para os parlamentares suas experiências com o São Francisco e com o Semi-árido. O engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco de Pernambuco, João Suassuna, lembrou aos deputados que o “Nordeste têm água e o que falta é distribuição”. Luciano Marçal, da Articulação para o Semi-árido (ASA) apresentou aos deputados o Atlas Nordeste, da Agência Nacional das Águas. O documento traz uma série estudos e propostas de intervenções para garantir o abastecimento hídrico dos municípios nordestinos. Entretanto, nenhuma dessas propostas é a transposição do São Francisco.
O promotor Eduardo Lima de Matos, do Ministério Público de Sergipe, chamou a atenção para o fato de haver mais de 20 ações tramitando no Supremo Tribunal Federal, e alertou os deputados que, se realizada a obra, o Brasil terá um grande conflito federativo, já que a retirada da vazão máxima inviabilizará novas outorgas para a utilização da água abaixo dos pontos de captação. Eduardo Matos também chamou a atenção para o fato que o relatório de impacto ambiental (RIMA) da transposição excluir Minas Gerais de seu levantamento: “o Rima foi feito considerando-se o Canal, e não a bacia”, afirmou o promotor.
Depois do encontro o deputado Gil Perreira, que preside a Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos do Rio São Francisco, anunciou que vai criar na Assembléia de Minas Gerais uma “Frente Parlamentar Contra a transposição e pela verdadeira revitalização do São Francisco”. Uma das primeiras atitudes da Frente será reabrir o debate em Minas. A Assembléia cumpriu o prometido através da CIPE São Francisco, tendo realizado.
No campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Caravana foi recebida pelo reitor, Ronaldo Tadeu Pena, pela vice-reitora, Heloísa Starling, pelo secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho e pelo vice-prefeito de Belo Horizonte, Ronaldo Vasconcelos (PV). O grupo se apresentou e expôs seus argumentos. Apolo Heringer disse que o objetivo do grupo ali era a abertura do debate na universidade. Seu Toinho, pescador de Alagoas, contou a história de Penedo, município que tinha uma economia vigorosa, mas que agora sofre com a degradação do Velho Chico, não apresenta mais peixes para a pesca, nem as culturas de arroz e está com a navegação prejudicada. Ele também cantou uma música de sua autoria, traduzindo em versos o sofrimento do rio. Soraya Venini Tupinambá, da Frente Cearense por uma nova cultura da Água e contra a transposição das águas do Rio São Francisco, fez questão de explicar que em seu estado, o Ceará, o debate sobre a transposição é silenciado pela “família Gomes”. Ela alertou ainda que eles estão articulando mais uma obra, a transposição do rio Tocantins: “é uma indústria de obras”, afirmou Soraya.
“O país tem uma dívida com os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Em nome do progresso muita coisa errada foi feita, mas o progresso nunca chegou para a gente”, reclamou Marcos Sabaru, do Povo Timgui-Botó de Alagoas. Ele disse que tem comunidades indígenas que moram debaixo da torre de transmissão de eletricidade, mas não têm acesso à energia, ou mesmo comunidades à beira do rio, mas que não têm água. “Na época da colonização o medo do índio era das doenças dos brancos; hoje o medo é das canetas, dos decretos”, analisou Marcos Sabaru. O representante das comunidades tradicionais na Caravana disse ainda, que “não se pode falar de rio, sem falar de povo, mas que o povo não está sendo ouvido”. Muito emocionado e com a voz embargada, desabafou: “a grande proposta para os povos indígenas hoje é a redução de terras”.
O reitor da UFMG, Ronaldo Tadeu Pena, se comprometeu com o grupo de realizar um debate sobre a transposição com a presença dos membros da Caravana e representantes do Ministério da Integração Nacional. Encarregou o Projeto Manuelzão desta tarefa, que infelizmente ainda não a realizou. Na oportunidade, o vice-prefeito de BH, Ronaldo Vasconcelos, se declarou “totalmente contrário à transposição”.
Depois do encontro com o reitor o grupo se dirigiu à Praça de Serviços da UFMG, onde cerca de 200 pessoas ouviram os argumentos e propostas do grupo. Depois do almoço, a Caravana seguiu para a Lagoa da Pampulha, em frente da Igrejinha de São Francisco, que faz parte da bacia do São Francisco. Ali se deu a “Propiciação das Águas”, ritual conduzido por Ailton Krenak, índio do povo Krenak. O gesto tinha o objetivo de reverenciar as águas, pedindo em troca, a proteção para os integrantes da Caravana.
A audiência encerrou a agenda da Caravana na capital mineira. Depois do encontro, o grupo viajou para o Rio de Janeiro, onde será recebido pelo prefeito César Maia (DEM) e fará um debate na Associação Brasileira de Imprensa. Com a marcha iniciada ontem, a comitiva de especialistas, representantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais e dos Ministérios Públicos dos estados da bacia do São Francisco pretende mostrar, para todo o país, as incoerências do projeto de transposição.
Rio de Janeiro (RJ) – “O Rio não tem visão da transposição do São Francisco; só percebeu o tema depois da greve de fome do Bispo [Luiz Flávio Cappio]. E foi se esquecendo, já que não está no cotidiano do povo do Rio”, disse o prefeito da capital carioca, César Maia (DEM), ao receber ontem a Caravana. O objetivo da visita ao Rio de Janeiro foi justamente trazer os cariocas para o debate de uma proposta que, apesar de ter suas ações concentradas no Nordeste brasileiro, envolve todo o país.
O coordenador da Caravana, Apolo Heringer, pediu ao prefeito que ouvisse os membros da Caravana, suas motivações e solicitou apoio à causa. César Maia ouviu atentamente aos depoimentos de todos os integrantes. O momento de maior emoção foi quando o seu Toinho, representante dos pescadores de Alagoas, relatou que, com 75 anos, criou 12 filhos com a pesca no Velho Chico, mas que hoje não tem peixe a ser pescado. “O que importa se eu morrer hoje? Morto estou, por que o rio está morto. Queria encontrar com o Lula para dizer isso para ele. Queria deixar o rio para meus netos”, contou emocionado seu Toinho.
O prefeito César Maia solicitou a revista Transposição: Águas da Ilusão em formato digital para poder enviar para todos os seus contatos. Além disso, ele conversou por telefone com o deputado federal Rodrigo Maia e solicitou apoio à Caravana em sua passagem por Brasília. Diferentemente da atitude respeitosa e afetuosa do prefeito César Maia, a Caravana insistiu e não obteve nenhum apoio junto às assessorias do governador carioca (PMDB), do então secretário do meio ambiente Carlos Minc (PT), e para nossa surpresa do deputado Fernando Gabeira (PV), seja para audiências, seja para apoio político.
Na parte da tarde, mais de 40 pessoas foram à Associação Brasileira de Imprensa conhecer os argumentos da Caravana. Maurício Azedo, presidente da entidade, abriu a seção se dizendo honrado em poder receber o movimento e dar voz a ele. O pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, explicou que faltam políticas públicas para distribuir a água existente no Nordeste. “Hoje, a população que é atendida por carro-pipa, vai continuar recebendo água por carro-pipa após a transposição”, prevê o pesquisador. João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, também ressaltou a falta de uma política de desenvolvimento do Semi-árido. Soraya Vanini, da Frente cearense por uma nova cultura da água e contra a transposição das águas do rio São Francisco, disse que o problema de água no Ceará é de gestão e não de falta desse recurso. O Ceará vai receber parte das águas da transposição, mas possui uma grande reserva de água acumulada em açudes. Marcos Sabaru, representante dos povos indígenas questionou: “um governo que se diz popular coloca o exército para fazer a obra antes da licitação, que governo é esse?”. Ele também cobrou: “queremos espaço para contar a nossa história”.
O promotor Eduardo Lima de Matos, do Ministério Público de Sergipe, chamou atenção para o caminho que as audiências públicas, que deviam discutir a obra com a comunidade, tomaram. Algumas dessas audiências foram marcadas próximas a datas festivas e feriados, como o Carnaval ou o Ano Novo. A professora Yvonildes Medeiros, da Universidade Federal da Bahia, questionou: “o São Francisco passa no semi-árido da Bahia e lá também sofre com a seca. Por quê o Velho Chico não é solução na Bahia e vai ser no semi-árido do Ceará?”.
Seu Toinho, de Alagoas, colocou o auditório para cantar músicas sobre a situação do Velho Chico. Muito aplaudido, ele também recitou poesias. Outro que cantou foi o sergipano Sergival Silva, que compôs a música “Anagrama” (que na literatura significa transposição de palavras e sentidos) para falar da transposição do São Francisco. A música foi composta quando ele conheceu toda a margem norte do rio em Sergipe.
Maurício Azedo fechou a reunião explicando porquê, na visão dele, a mídia não dá destaque a determinados temas: “há certos aspectos das questões nacionais que não sensibilizam as empresas de comunicação, mas também não sensibilizam os profissionais. Há necessidade dos profissionais refletirem sobre as questões da vida nacional. A vida do povo não está presente nos grandes meios de comunicação”.
Brasília (DF) – A Caravana passou pela capital federal e na agenda encontros de articulação política e pedidos de abertura do diálogo sobre as políticas públicas de desenvolvimento do semi-árido. A Caravana foi recebida pelos deputados Iran Barbosa (PT/SE), Juvenil Alves (S/Part./MG) e Nilson Pinto (PSDB/PA), respectivamente, presidente da Subcomissão Especial do Rio São Francisco, relator do processo do projeto de transposição e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara. Os deputados ouviram atentamente os argumentos dos membros da Caravana e se comprometeram a colocar o assunto em discussão na Comissão de Meio Ambiente. Além disso, foram concedidos cinco minutos na reunião ordinária da Comissão para a Caravana expor seus objetivos, mesmo que isso não estivesse na pauta.
“A transposição não é o nosso problema principal; é o semi-árido que precisa ter seu problema resolvido. Prometer levar água para o povo do sertão com a transposição é como construir um supermercado para acabar com a fome”, disse Apolo em seu discurso aos deputados da Comissão de Meio Ambiente. Ele também apelou para que os presentes abram a discussão sobre políticas públicas para o semi-árido. “Militantes da vida, nós pensamos exatamente igual. Ficou claramente demonstrado que por muito menos que o custo da transposição, se poderia levar água para o Semi-árido brasileiro”, disse o deputado Sarney Filho (PV/MA).
Após a audiência na reunião da Comissão de Meio Ambiente, os membros da Caravana partiram para o “corpo a corpo” nos corredores da Câmara dos Deputados para distribuir a revista “Transposição: Águas da Ilusão”. No final da manhã, a Caravana foi recebida pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados, Nárcio Rodrigues (PSDB/MG) e pelo deputado José Aníbal (PSDB/SP). O encontro havia sido articulado pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, na última segunda-feira, durante a passagem da Caravana por Belo Horizonte. Os deputados sugeriram aos membros da Caravana que proponham e lutem por uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a transposição e alternativas para o desenvolvimento do Semi-árido. Essa audiência pode ser solicitada via Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Esta promessa não foi cumprida até o momento.
A cúpula diretora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), formada pelos bispos Geraldo Lyrio Rocha, Luiz Soares Vieira e Dimas Lara Barbosa, respectivamente, presidente, vice-presidente e secretário-geral da entidade receberam a Caravana em Brasília. Após ouvir os objetivos da Caravana e os relatos de cada membro, Dom Geraldo se pronunciou: “é claro que a CNBB não pode se manifestar a favor ou contra a transposição, por que isso extrapola suas funções. Mas o poder público tem o dever de garantir água para todos os seres vivos“. E continuou: “o projeto de transposição é tão grande e com tantas implicações que precisa ser amplamente discutido pela sociedade brasileira. Numa sociedade democrática deve ter espaço para todos colocarem seus argumentos. Tem que ouvir os ribeirinhos, os quilombolas, a comunidade científica”, afirmou Dom Geraldo. Os membros da Caravana solicitaram que a CNBB manifestasse sua posição formalmente ao Governo Federal, em forma de carta. Dom Geraldo disse que não via problema, mas vai apresentar a proposta ao Conselho Episcopal. Se aprovado, o que o bispo acredita que será, ela será enviada ao presidente Lula. A direção da Caravana não recebeu confirmação do cumprimento desta medida.
No final da tarde, o vice-presidente, José Alencar (PR/MG), recebeu a comitiva da Caravana. A audiência não pode ser acompanhada pela Assessoria de Imprensa da Caravana. Após o encontro, os participantes disseram que o vice-presidente defendeu o projeto de transposição, mas se comprometeu a levar a cobrança de diálogo ao presidente, prometido por Lula ao frei Luiz Flávio Cappio após a greve de fome de 11 dias em 2005. Esta promessa não foi cumprida nem recebemos resposta alguma.
São Paulo (SP) – A chegada da Caravana à capital paulista reflete o caráter nacional que os membros da Caravana querem dar ao debate do projeto de transposição do São Francisco. Ou seja, mesmo fora da bacia, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília são importantes, pois as incoerências do projeto de transposição vão trazer conseqüências nacionais. Por exemplo, se a transposição for realizada, os custos dela serão pagos por todos brasileiros e não só pelos nordestinos. Além disso, a produção de energia elétrica será reduzida, o que pode exigir mais energia elétrica de outras regiões brasileiras para o Nordeste.
Como forma de consolidar essa preocupação, a Caravana solicitou uma audiência com o governador paulista José Serra (PSDB) durante um mês, diretamente e com a intermediação do deputado José Aníbal (PSDB). Infelizmente, durante toda a permanência da Caravana em São Paulo, a esperada resposta não chegou, ficaram em cima do muro, lavando as mãos.
A Caravana realizou debate na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro da cidade. Cerca de 40 pessoas estiveram presentes para ouvir e discutir com os membros da Caravana. Na abertura do debate, Valdemar Rossi, da Cáritas, disse que estamos num “momento delicado da vida nacional. Vivemos uma crise profunda de falta de dignidade, de massacre dos direitos. A organização de uma Caravana como essa, que pretende mostrar o crime que é a transposição, mostra que a esperança num mundo melhor ainda é possível”.
Na primeira parte do evento, os membros da Caravana trouxeram suas experiências para o público presente. Thomaz da Mata Machado, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) falou das responsabilidades do CBHSF.
Apolo Heringer contou que na região do Semi-árido brasileiro, como o vale do Jequitinhonha e o vale do São Francisco, a simples presença da água não garante a melhoria da qualidade de vida. Ele lembrou ainda que a transposição pode ser a nova “transamazônica”. Em 1970, o general Emílio Garrastazu Médici, ditador no período de 1969 a 1974, visitou o semi-árido nordestino. Perante a seca e o sofrimento do povo sertanejo, Médici decide construir a rodovia Transamazônica (BR-230), para levar “os homens sem terra do Brasil a ocuparem as terras sem homens da Amazônia”. A idéia era ligar a região oeste do país, abundante em água com a região leste, seca. Hoje, 36 anos após o início da construção da Transamazônica, que nunca foi acabada, a rodovia foi engolida pela mata e inundações.
Durante a realização do debate, Chico Canindé e João Ângelo pediram licença para apresentar uma rápida esquete da peça ”Corre o risco São Francisco”. “O texto fala de nossa responsabilidade social e da importância das águas em nossas vidas. Utiliza uma linguagem poética para poder despertar as pessoas para os problemas do Meio ambiente”, explica João Ângelo, que encenou a peça.
A vereadora de Campinas, Marcela Moreira (PSOL), veio a capital paulista para ouvir os membros da Caravana. “Na cidade de Campinas, estamos conscientes da necessidade de lutar pela revitalização e contra a transposição; obra que vai atender ao interesse de corporações e não populações que querem conviver com o semi-árido. Sabemos que o caminho para barrar essa obra é a mobilização popular”, avaliou a vereadora. Ela disse que conheceu a “luta” do São Francisco a partir do repórter cinematográfico João Zinclar, cujas imagens também ilustram as páginas da revista Transposição: Águas da Ilusão, que estás sendo distribuída pela Caravana.
Marcela conta que foi realizado em Campinas, na Universidade de Campinas, um seminário sobre a transposição que reuniu mais de 600 pessoas em 2006. Perguntada como é discutir o tema em São Paulo, já que o estado não faz parte da bacia e está, a princípio, distante do problema, ela responde: “acredito que há interesse quando você apresenta como uma necessidade de discutir um projeto de âmbito nacional e as dificuldades de implantar um projeto nacional popular. É discutir, por exemplo, reforma agrária, é discutir acesso à água. A realidade do povo pobre, que é explorado e que é utilizado no nordeste, também acontece aqui no estado de São Paulo. Então, a partir do momento que você apresenta esse grande projeto que será contra os trabalhadores, dependendo de como você faz a apresentação do problema, você consegue a solidariedade dos trabalhadores e serão eles que vão conseguir reverter isso”.
Natal (RN) – Sem conseguir dialogar com o poder público local, seja municipal seja estadual, a Caravana optou pelos debates na capital potiguar para mostrar o significado da transposição para o estado. Natal é a primeira capital nordestina a ser visitada e, também, a primeira cidade visitada pela Caravana que será “beneficiada” pela obra de transposição, caso ela seja realizada. Os debates tiveram públicos diferentes. Pela manhã, foi para os estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e à tarde para os trabalhadores rurais da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Norte.
O debate na Universidade foi organizado pelo professor Manoel Lucas e pelos alunos da disciplina de “Comunicação e Meio Ambiente”. O professor destacou, na abertura dos trabalhos, que a UFRN foi a “primeira universidade nordestina a criar uma comissão para debater o rio São Francisco”. O produto desta comissão foi um relatório, tão “consistente” que “o projeto do Fernando Henrique não resistiu” aos seus argumentos. Ele destacou ainda, que a sociedade precisa conhecer o projeto. Manoel Lucas informou que “foi buscado representantes do Governo Federal para apresentar o projeto de transposição. No governo estadual, não havia ninguém que conhecesse o projeto de forma a defendê-lo”, contou. Para suprir essa carência, o professor João Abner apresentou o projeto para os presentes.
Após cada apresentação dos membros da Caravana, foi aberto espaço para perguntas. Elas foram formuladas pelos presentes e enviadas para a mesa, em formulário próprio. Outras eram feitas no microfone. Uma das perguntas elaboradas foi como a Caravana poderia afirmar, com tanta certeza, que as águas da transposição seriam para a carcinocultura? Rubem Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra da Bahia e membro da Caravana, respondeu que segundo o Ministério da Integração, 70% da água transposta iria para irrigação, 26% para uso urbano-industrial e apenas 4% para consumo humano da população das caatingas, em nome da qual se quer justificar a obra.
“A transposição é inconstitucional?”, questionava outra pergunta. “Considerando o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) incompleto e outras irregularidades, o projeto fere a Constituição, por isso é inconstitucional”, respondeu a promotora do Ministério Público de Minas Gerais, Luciana Imaculada de Paula.
Valério Mota, de 64 anos, diz achar “egoísmo” negar a retirada de apenas 1% do Velho Chico. Luiz Carlos Fontes, da Universidade Federal de Sergipe, respondeu um aspecto desta questão dizendo que a produção de energia ficaria comprometida. Soraya Vanini Tupinambá, da Frente Cearense por uma nova cultura da Água e contra a Transposição das águas do Rio São Francisco, explicou outro aspecto: “quando o seu Toinho diz que o rio é como um filho que abraça o pai, é que o São Francisco, no encontro com o mar, é onde se reproduz 70% das espécies comerciais pescados no mar. A água precisa chegar ao mar para garantir esta reprodução”.
No auditório José Expedito da Silva, na Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Norte, realizou-se debate para cerca de 40 pessoas. Na condição de potiguar, João Abner Junior, abriu a cerimônia dizendo que a população brasileira não está bem esclarecida sobre este projeto de transposição. “Estou aqui para plantar uma semente da dúvida em vocês. Fiquem com o pé atrás nesse negócio da transposição do São Francisco”, afirmou Abner. Depois o grupo abriu para perguntas. A preocupação de quem estava presente estava mais centrado nas atividades que eles realizam. Por exemplo, a cobrança pelo uso da água. Foi perguntado quem cobraria pelo uso das águas, e o professor Antônio Thomaz da Matta Machado respondeu que a responsabilidade de cobrar pela água é do Comitê de Bacia Hidrográfica.
Encerrando o debate, o presidente da CUT RN, José Rodrigues, comentou: “estamos num país onde a comunicação não existe. A gente discute o que o Fantástico e o Jornal Nacional falam. Quando vocês vêem aqui discutir é bom. Porque tudo eles dizem que é bom para os trabalhadores. Vocês vão conhecer o Açu, que o pequeno produtor não faz mais nada depois do açude. Lá tinha a maior plantação contínua de batata doce do país, hoje não tem nada. Lá tem a maior multinacional de frutas do mundo, para contaminar as águas. Já fizemos debates. Mas a CUT nacional está em cima do muro”.
Em frente ao auditório Otto de Brito Guerra, no pátio da reitoria da UFRN, foi montada a exposição “Um outro olhar”, do “fotografo” João Zinclar. As estudantes de Artes da UFRN, Glícia Fernandes e Rosane Dantas concordam, esteticamente, as fotos são belas. Rosane diz que elas são “chocantes”, e mostra uma realidade que não conhecíamos.
Açu, Ipanguaçu e Mossoró (RN) – A Caravana prosseguiu pelo interior do RN e visitou no dia 25 de agosto a Barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves, ou Açude Açu, e o sindicato de trabalhadores rurais localizados no município logo a jusante da barragem. O objetivo era conhecer de perto a realidade do açude e das comunidades que vivem em seu entorno. A realidade encontrada pelos membros da Caravana já era esperada. Eles já sabiam que no Açude Açu tinha água, mas a visão dele cheio foi surpreendente. É água a perder de vista. Posicionando-se em cima do paredão de pedras e cimento que seguram as águas represadas, e olhando para o lago, não se consegue ver até onde ele vai. Segundo o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), a barragem Armando Ribeiro Gonçalves tem “capacidade de armazenamento de 2,4 bilhões de metros cúbicos d’água e bacia hidráulica com área de 195 quilômetros quadrados”. Ela teve sua construção iniciada em 1979 e sua conclusão se deu no ano de 1983. Hoje, o reservatório está com mais de 90% de sua capacidade de armazenamento lotada. “O objetivo do açude é o suprimento de água ao Projeto de Irrigação do Baixo Açu. São inúmeros os benefícios gerados pelo Projeto Baixo-Açu, destacando-se, sobretudo o aproveitamento hidroagrícola das terras aluviais do vale, assim como os chapadões dos tabuleiros das encostas, cuja irrigação promoverá o desenvolvimento agrícola em uma área com cerca de 25.000 hectares, com geração de quase 12.000 empregos diretos e indireto”, explica o Dnocs em sua página na internet.
Entretanto, não é essa a realidade vivida pelos produtores rurais. Em Ipanguaçu, município distante a 214 km de Natal, mais de 50 pessoas receberam a Caravana para discutir a transposição do São Francisco e relatar suas experiências com o açude. O encontro foi no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu. O presidente, Severino Cosme Xavier, deu as boas vindas para a Caravana e afirmou: o “rio Assu está uma mácula. Você não consegue ver o reflexo do seu rosto nele”. Xavier continuou: “antes do açude era uma vida boa para o pequeno produtor. A barragem está servindo para os ricos, para os grandes produtores”. De acordo com ele, os projetos de irrigação prometidos não saíram do papel, e as culturas tradicionais que garantiam a sobrevivência dos trabalhadores, não estão sendo cultivadas. “Antes da barragem a gente era mais saudável, plantava. Hoje tem que comprar batata de fora”, conta Severino.
“Estamos no Baixo São Francisco, a jusante de barragens e temos o mesmo problema que vocês”, afirmou Luiz Carlos Fontes, professor da Universidade Federal de Sergipe e membro do Comitê de bacia do São Francisco. De acordo com Fontes, a construção de barragens no Velho Chico eliminou as lagoas marginais, tirou sua “força”, pois ele não entra mais no mar e diminuiu os peixes. “Queria chamar a atenção, pois vocês estão entre os 12 milhões de pessoas que o governo diz que serão beneficiados. Vimos agora a pouco, uma cisterna para a captação de água de chuva a cerca de 500 metros do açude de Açu”, argumentou. E ele ainda ponderou: “falta água de beber para vocês aqui? Não falta. A transposição é para garantir a reserva hídrica para grandes produtores. A água vai ter aumento”, avaliou o professor da UFSE.
Entre os trabalhadores presentes no Sindicato, havia produtores rurais de Apodi, município localizado a 328 quilômetros de Natal e próximo de Ipanguaçu. O presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de lá, Francisco Edílson Neto, conta: “já começaram a chegar grandes empresas do agronégocio, e a gente vê isso como um risco muito grande para nós que vivemos de agricultura familiar”. Francisco teme que os produtores percam suas terras e não tenham mais como produzir. Ele disse que eles pretendem resistir às ofertas pela vendas, pois não vale a pena vender. “Pegar 50, 100 mil para uma família de 5 pessoas, depois de um ano estaríamos em situação difícil”, avalia.
À noite, a Caravana foi recebida pelo Sindicato dos Comerciários de Mossoró (Secom). Entre os presentes, representantes de movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra de Mossoró, Asa Potiguar e a Pastoral Operária. O coordenador da Caravana, Apolo Heringer, apresentou o grupo e solicitou que os presentes fizessem perguntas.
“Foi criado um maniqueísmo entre quem é a favor e quem é contra. Os primeiros são os bonzinhos e os outros são os malvados. Como colocar as alternativas contrárias à transposição na mídia?, perguntou José Edson Araújo, da Asa Potiguar. Thomaz da Mata Machado, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco, disse que a maneira de quebrar esse bloqueio e colocar o assunto em pauta, inclusive das alternativas, é fazer o que a Caravana está fazendo, ou seja “visitar as cidades e debater o tema, discutindo”. Socorro Alves, professora do Cefat queria saber em que pé estava a obra. Rubem Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra da Bahia, informou que a licitação está parada por que empresas que concorriam questionaram uma mudança nas regras e pediram a suspensão da licitação . Além disso, tem um processo parado no Supremo Tribunal Federal aguardando o julgamento sobre se pode ou não realizar a obra. Rubem também lembrou que no primeiro semestre deste ano, o Governo Federal enviou tropas do Exército para iniciar as obras. O batalhão de Engenharia fez um grande buraco para representar o início da transposição. Mas os movimentos sociais que acamparam por quase duas semanas em Cabrobó, para impedir as obras, tamparam o buraco e a representação do Governo de quê a obra começou.
O morador de Mossoró, Manoel Sérgio, não fez perguntas, mas fez um comentário que sintetizou o pensamento da Caravana: “será que o problema do Nordeste será só a seca? As águas que temos acumuladas aqui trariam desenvolvimento? Estamos pensando em apenas trazer água? É só isso? Não vejo relação entre essa obra e a gente. Só se fala em desenvolvimento, mas talvez essa seja a palavra mais evasiva que existe. Tem que ter uma discussão muito séria em todo o país. Um troço deste tamanho só na cabeça megalomaníaca do presidente”.
Nova Jaguaribara (CE)– A Caravana visitou a barragem do Castanhão no dia 26 de agosto. Antes da visita, os membros da Caravana debateram com os moradores de Nova Jaguaribara, as incoerências e a falta de políticas públicas para o semi-árido. Océlio Muniz, do reassentamento Acaroba, abriu a discussão dizendo que recebe a Caravana com “tristeza e alegria. Tristeza por conhecer uma realidade de ter muita água, mas de não ter acesso a ela. E alegria por poder participar da Caravana e tentar mudar essa realidade”, diz. O coordenador da Caravana, Apolo Heringer, destacou que quando surgiu o projeto de transposição, parecia uma boa idéia levar água para quem tem sede: o sertanejo; mas, segundo ele, é uma “mentira”. E ele continuou: ”é um rio com muitos problemas para retirar 127 metros por segundo, o que equivale a 127 mil caixas dágua de mil litros por segundo”. Apolo disse ainda que a revitalização precisa de um projeto: “o que o governo tem é uma colcha de retalhos de intervenções. Se querem a revitalização, porque não revitalizam os rios Apodi, Jaguaribe, Piranhas, Açu, Salgado. A transposição não é para beneficiar o povo pobre. Se tivesse uma política pública para o semi-árido, nem surgiria a idéia de transposição”.
Irmã Bernadete Neves, que há 22 anos acompanha o projeto do Castanhão, disse que “o projeto da transposição pode ser muito bom tecnicamente, mas não contempla o aspecto social”. E completou: “nossos três projetos de irrigação deveriam ter iniciado em 1999, mas hoje só tem um funcionando”. E questionou: “qual é mesmo a verdade deste projeto? Como fica o Castanhão?”. “Na época da seca somos nós que passamos fome. Não há uma política clara para o semi-árido. A água da transposição é para atender a siderurgia. Se todos têm motivos para ser contra, nós, dos movimentos sociais do Ceará temos motivos em dobro”, declarou Maria de Jesus, moradora de Jaguaribara e integrante do Movimento dos Sem Terra do Ceará.
O estudante de geografia e dirigente estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (Mab), Iury Charles Paulino, disse que a comunidade já tem o exemplo de como será a transposição, já que existem assentamentos a cerca de quatro quilômetros do Castanhão que não tem água para produzir alimentos. “A barragem não trouxe desenvolvimento do município”, afirmou o estudante. “Estamos ao lado do Canal da Integração e estamos numa sequidão danada”, conta Daniel Linhares, presidente da Associação Geral do assentamento Mandacaru. Ele ainda fez um apelo à Caravana: “pedimos que vocês que têm acesso em Brasília, que digam ao presidente Lula que olhe para Jaguaribara, onde muito foi prometido e nada cumprido. A gente veio para cá por causa das promessas e ficamos desmotivados porque elas não são cumpridas”.
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Thomaz da Mata Machado, disse que após visitar o Castanhão ficou claro que a água da transposição não é para abastecimento humano. Ele afirmou: “queremos fazer uma discussão sobre o semi-árido brasileiro, pois 63% dele está na bacia do São Francisco”. O diretor do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho de Fortaleza, Domingos Fontes, disse que sempre foi a favor da transposição. A respeito do Castanhão, manifestou sua opinião: “se tem água, tem. Se não está usando, não é problema nosso. É problema da gestão do Governo. Temos é que acumular água, pois daqui a 10 ou 20 anos pode servir”. Soraya Vanini, da Frente Cearense por uma nova cultura das águas, explicou que o problema do Ceará não é a falta d’água, mas sim de distribuição e acesso. “O espírito de nossa frente é de uma gestão da água. Temos que parar de ficar esperando o governo”, avaliou.
Uma cidade planejada. Assim é Nova Jaguaribara, localizada no Ceará. O planejamento do município, com a disposição das ruas ladrilhadas e casas iguais não é sinal de uma preocupação com o ambiente, engenharia ou arquitetura, como pode parecer. Nova Jaguaribara é “nova” porque precisou ser reconstruída para abrigar os moradores da “velha” cidade, que tiveram que sair de suas propriedades para dar espaço para as águas do Castanhão. A nova cidade “nasceu” com infra-estrutura para que seus reassentados pudessem continuar suas vidas. Entretanto, os moradores reclamam que foram iludidos com promessas que, infelizmente, não foram cumpridas. Promessas de água para irrigação, empregos e geração de renda para a região. Mas nada disso foi cumprido. Tudo isto ao lado do Castanhão. O Açude Castanhão é o maior açude do Nordeste e pode armazenar até 6,7 bilhões de m3 de água.
Fortaleza (CE) – Em audiência na Assembléia Legislativa do Ceará, a Caravana pode debater o tema. A proposta da audiência foi da Frente Cearense por uma nova Cultura das Águas e foi acolhida pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, Heitor Ferrer (PDT). Em sua fala, o deputado Heitor fez questão de ressaltar para seus eleitores que ele é favorável ao projeto de transposição, e que apenas reabriu o debate na Assembléia. Heitor Ferrer chamou para compor a mesa os seguintes membros da Caravana: Apolo Heringer Lisboa, Thomaz da Mata Machado, Soraya Vanini e Seu Toinho pescador. Para fazer o contraponto, foram chamadas duas pessoas. Apenas uma compareceu, foi a representante do Departamento de Obras contra a Seca (Dnocs) e presidente dos Comitês de Bacia Hidrográfica da Região Metropolitana de Fortaleza, Maria Zita Timbó Araújo. Cada membro da mesa teve dez minutos para fazer suas considerações. Maria Zita questionou porque no caso da transposição é ouvido o Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco e não se ouve as bacias receptoras? “Dizer que o Ceará não precisa de água daqui a 20 – 25 anos é uma irresponsabilidade ou desconhecimento. Precisamos abrir o debate desarmados”, disse Zita. A representante do Dnocs também afirmou que “a transposição não vai deixar o semi-árido sem seca. Precisamos juntar todas as ações para garantir a convivência com a seca”, argumentou Zita que ainda questionou: “a rede de energia é interligada. Se faltar no Nordeste, pode buscar em Itaipu. Porque não se pode trazer a água bruta e energia pode?”.
Apolo afirmou que falta no Brasil hoje uma política para o Semi-árido. Soraya Vanini agradeceu a iniciativa do deputado e afirmou que o diálogo sobre a transposição não teve a envergadura do rio. Ela disse ainda que é “legítimo” que se busque o desenvolvimento, mas que o modelo de desenvolvimento precisa ser reformulado. “O Comitê deu o direito a retirar da bacia para acabar com a sede do povo. E para isso precisa de uma obra de 127 metros cúbicos por segundo? Por que uma vazão de 26 metros cúbicos por segundo? Isso me leva a crer que a obra não é para o fim que se propõe”, avaliou Thomaz da Mata Machado, presidente do CBHSF.
Seu Toinho disse emocionado: “água é vida. Criei nove filhos e mais dois adotados com peixes do Velho Chico. Hoje, meu filho não pesca mais. Dizem que temos muita água. Mas a água do São Francisco está acabando”. Ele contou ainda que por causa das barragens, não acontece mais cheias e por isso os peixes não se reproduzem. Seu Toinho ainda fez um apelo ao presidente: “é esse tipo de processo que vai desenvolver o Brasil Lula? O Brasil precisa de projetos, mas de projetos que ajudem o povo pobre”.
No espaço para perguntas, a promotora Luciana Khoury, do Ministério Público da Bahia, disse que o projeto de transposição possui três pontos de inconstitucionalidade: a obra é em território indígena, o que exige a autorização do Congresso e isso não foi realizado; o relatório de impactos ambientais não contempla Minas Gerais; e de acordo com as Leis das Águas, a decisão sobre a água é do Comitê de bacia. O professor João Abner Júnior disse que o Governo Federal vai investir mais de seis bilhões de reais numa obra cujo argumento principal é a defesa hídrica. “Dados do Relatório de Recursos Hídricos do Ceará diz que não existe déficit hídrico que justifique a obra para o Ceará ou Rio Grande do Norte”. O técnico do Dnocs, mas que não estava ali para representar o órgão, Sergio Menezes, afirmou: “água para cá não é questão de desenvolvimento, é de ética. Num período de 10 anos acontece três secas. Se acontecer duas consecutivas, o Castanhão vai atingir cerca de 30% de sua capacidade”.
Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra da Bahia, lembrou que a irrigação é condenada por estudos contratados junto ao Banco Mundial e que ao contrário que a doutora Zita disse, o que traz emprego é a agricultura familiar, cerca de quatro empregos por hectare, enquanto a irrigação nenhum. “Tenho medo de um projeto que culpa Jesus Cristo pelas águas do São Francisco irem para o mar, que não ouviu os pescadores e indígenas. Trazer água não vai trazer desenvolvimento. Estamos debaixo das torres de transmissão e não temos energia”, disse Marcos Sabaru, do povo Timgui Botó de Alagoas.
O auditório Presidente Castello Branco, na Reitoria da Universidade Federal do Ceará, foi palco de um calmo debate sobre a transposição com a Caravana. Após a abertura, foi dado tempo para cada integrante da Caravana se expressar. O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Thomaz da Mata Machado, disse que os cearenses precisam olhar para a bacia do São Francisco com outro olhar. O presidente do CBHSF explicou que existe um limite da água que se pode retirar do Velho Chico. “Pode ser retirado 360 metros cúbicos por segundo, 20% do total das águas do Velho Chico na foz. Os outros 80% precisa ser guardada nas barragens para movimentar as usinas hidrelétricas. Se não armazenar isso, teremos o apagão”, avalia Thomaz. Outro argumento que o presidente do CBHSF comentou foi o licenciamento da obra para uma capacidade de 127 metros por segundo. Por que licitar uma obra com uma capacidade tão grande se vai ser retirado apenas 26 metros cúbicos por segundo. “Essa questão é fundamental porque não gera segurança na gestão dos recursos hídricos”, afirma Thomaz.
“A nossa frente é uma frente por uma nova cultura política. Temos que deixar de ficar nos rastros dos governos que ficam impondo as condições para a gente. Temos que cobrar dos governantes. Vimos nos Castanhão três projetos de irrigação parados. Dois nem começaram e um está incompleto. Não podemos falar de água sem falar em projeto de desenvolvimento. Não é esse o modelo de desenvolvimento que queremos”, argumentou Soraya Vanini Tupinambá, da Frente Cearense por uma nova Cultura das Águas.
Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), disse que o presidente Lula está comprometido com grupos internacionais e não está discutindo a transposição. “Precisamos também discutir o modelo de desenvolvimento do Rio São Francisco, para que leve mais justiça social para todas as populações que vivem do rio. Cada vez que a gente conhece mais o projeto, a gente tem mais razões para ficar contra o projeto”, afirmou. “Quero falar para os deputados que o Ciro Gomes está mentindo. Lá no baixo São Francisco acabou o peixe. Tivemos o cuidado de eleger um governo social, mas o presidente esqueceu do pobre e só pensa no rico. A proposta nossa é revitalizar o rio Jaguaribe, o Velho Chico. Queria que vocês divulgassem essa notícia. Vamos esquecer a transposição que não vale nada para a gente” disse seu Toinho, pescador de Alagoas debaixo de muito aplauso.
O debate também foi aberto ao espaço para o público se manifestar. Padre Ermanno Allegri, diretor executivo da Agência de Notícias da América Latina e Caribe (Adital), disse que desde a primeira vez que ouviu falar do projeto de transposição, o custo sempre vem caindo. Ele sugeriu que alguém fizesse um estudo para descobrir o real custo desta obra para o país.
Recife (PE) – A Caravana em defesa do São Francisco e do Semi-Árido chegou dia 28 ao Recife. O primeiro encontro foi na Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde uma platéia de 180 pessoas ouviu atentamente a opinião dos membros da Caravana. O coordenador da Caravana, Apolo Heringer Lisboa, abriu o debate dizendo que a falta de água para a população do Semi-Árido não se deve a seca, mas sim à concentração da água. “O Semi-Árido brasileiro tem uma precipitação pluviométrica de 750 mm por ano [em média], a maior do mundo [quando se fala em Semi-Árido]”, destacou. Ele também disse que se não houver tecnologias que garantam a oferta de água de forma descentralizada será impossível resolver o problema da população difusa, que é quem mais sofre com a falta desse bem. “O problema do Semi-Árido ainda está atrelado à indústria da seca e a transposição do São Francisco é a obra mais sofisticada dessa indústria”, finalizou Apolo Heringer.
A distribuição da água prevista pela transposição foi questionada pelo representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rubem Siqueira. Segundo ele, enquanto 70% da água será destinada aos grandes projetos de irrigação, apenas 4% será para o abastecimento humano. Siqueira também destacou a contradição do Governo Federal em levar adiante a transposição já que a Agência Nacional das Águas (ANA), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), apresentou, recentemente, o Atlas Nordeste, um estudo que aponta alternativas de abastecimento de água para os municípios urbanos com população acima de cinco mil habitantes a partir de mananciais de água já existentes e com o recurso duas vezes menor que o da transposição, orçada em R$6,6 bilhões iniciais.
Para Pernambuco, o Atlas Nordeste prevê, segundo Rubem Siqueira, 44 obras que beneficiariam 176 municípios a um custo de 191 milhões. “Então mesmo tendo o pior déficit de água [o caso de Pernambuco], o estado pode resolver o problema de abastecimento de água a partir de obras diversificadas”, disse. Ele encerrou seu depoimento dizendo que a Caravana está sendo uma experiência muito positiva no sentido de promover o diálogo e convocou todos a levantarem essa bandeira. “Que cada um aqui se torne um multiplicador dessa luta em seus espaços de vida”.
O presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, Thomaz da Mata Machado, afirmou que a transposição vai levar água para reservatórios que não precisam, a exemplo das barragens Mangueirão (PB), Castanhão (CE) e Armando Ribeiro Gonçalves (RN). “80% das águas da transposição vão para o Ceará, que não precisa de água, e 20% para Pernambuco e Bahia. A água vai chegar muito cara aqui [Pernambuco] porque ela vai precisar ser transportada por canais, vai ter que subir e isso vai necessitar de muita energia”, alertou.
O representante do povo indígena Timgui-Botó, de Alagoas, Marcos Sabaru, fez um apelo à platéia: “os povos indígenas não têm mais força para superar mais uma obra como essa. Por isso, eu convido cada um aqui a fazer parte dessa luta, a ser um guardião da natureza. Os povos indígenas pedem a ajuda de vocês”. Segundo Marcos Sabaru, a transposição começa e termina em território indígena, mas o projeto nunca foi debatido e aprovado pelos índios o que, segundo ele, é inconstitucional, já que a Lei prevê que qualquer ocupação em terra indígena passe pelo Congresso Nacional. “Quando a gente achava que os piores projetos eram as rodovias, a construção de barragens se aponta um novo projeto colocado como solução pra as comunidades em geral. Ele é ilegal, é imoral, ele não respeita as comunidades, ele atravessa nossas terras sem nos consultar e a questão é em que parte esse projeto apresenta algum benefício para as comunidades indígenas? Aonde tá escrito isso? Em que lugar tem?”, questionou.
A Articulação no Semi-Árido (ASA), representada por Lourival Aguiar, o Zito, acredita que um novo Semi-Árido é possível a partir da proposta de convivência com a região. “A gente age em todos os níveis, respeitando as experiências dos agricultores, ajudando a resgatar a cultura do povo, aprendendo a viver com a natureza, democratizando o acesso à água e a terra”.
Uma ligação no meio da manhã e uma alteração na agenda do dia. Uma audiência da Caravana com o vice-prefeito de Recife, Luciano Siqueira (PC do B), em exercício no cargo de prefeito, já que o titular estava fora do município. Luciano Siqueira ouviu os objetivos do grupo. Apolo Heringer lembrou que Pernambuco possui cerca de 70% de seu território na bacia do Velho Chico. João Suassuna falou das alternativas para a seca no Semi-árido. Ruben Siqueira disse ao prefeito que Pernambuco não precisava entrar no barco furado da transposição. O estado foi “beneficiado” no projeto só para justificar o “Nordeste setentrional”, segundo Ruben, uma invenção para dividir o Nordeste. Ana Rúbia Carvalho, promotora do Ministério Público de Pernambuco, informou ao vice-prefeito que o projeto é inconstitucional.
Luciano Siqueira disse que ficou sabendo da chegada da Caravana à capital de Pernambuco pela imprensa e que se tivesse sido avisado antes, teria preparado um debate com representantes contrários na prefeitura. Mesmo assim, ele acredita que a Caravana está desempenhando um papel importante ao buscar o diálogo pelo país para decidir o futuro de uma obra tão grande. “Sei que o governo Lula tem muitas conquistas, mas tem também muitos problemas”, afirmou o vice-prefeito. Apolo Heringer pediu que Luciano abrisse o debate sobre a transposição no Pc do B. O vice-prefeito assumiu o compromisso de levar essa discussão adiante, tanto no seu partido, como no município. “Do meu ponto de vista pessoal, como militante, como cidadão, me sinto muito bem com a visita de vocês e com a convicção que carregam no jeito de falar”, disse o vice-prefeito ao se despedir da Caravana.
A Caravana também se encontrou com o reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Acompanharam os membros da Caravana no encontro representantes do Diretório Central dos Estudantes da Rural, do Diretório Acadêmico de Biologia, da Andes (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco), do Sintufepe (Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de Pernambuco). O reitor da UFRPE, professor Valmar Corrêa de Andrade, ouviu os relatos dos membros da Caravana e depois de ser solicitado a abrir e sediar o debate sobre o semi-árido na instituição, ele firmou o compromisso de estimular o debate e dar todo o apoio na discussão do tema, não só na capital, mas também nas unidades da Rural em Serra Talhada e Garanhuns.
João Pessoa (PB) – Ato simbólico promovido por várias entidades sociais que atuam no semi-árido da Paraíba recepcionaram a Caravana em defesa do São Francisco e do Semi-árido Contra a transposição antes do debate. O grupo esperava encontrar oposição à sua passagem pela capital paraibana, mas os defensores do projeto não compareceram para discutir o projeto. Mesmo assim eles tentaram desestimular a participação popular dizendo, no dia anterior à chegada da Caravana, para a população não comparecer e muito menos a imprensa fosse ouvir o que a Caravana tinha a dizer. Não deu certo. Os movimentos populares compareceram em peso. E ao contrário do que poderia parecer, as pessoas conheciam o projeto e sabiam que a água do Velho Chico, se transpostas, não vão chegar para o sertanejo que sofre com a seca. Os representantes dos movimentos sociais revelaram também que sofrem na pele com a falta de água no sertão paraibano e com o excesso de promessas, já que eles também já tiveram promessa de ter água para poder cultivar alimentos.
Seis crianças, sentadas no chão da Praça dos Três Poderes em João Pessoa, estão vestidas de preto, no Sol escaldante das 10 da manhã. Com os rostos pintados de branco e com lágrimas negras escorrendo em suas faces, elas possuem o semblante triste, sofrido. Nas pequenas mãos, carregam um grande pano que simboliza o Rio São Francisco. Depois de se concentrarem na Praça dos Três Poderes, os representantes dos movimentos sociais caminharam até o auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PB) para o debate. O auditório ficou superlotado, com suas 110 cadeiras ocupadas e os corredores quase intransitáveis.
O debate foi mediado pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da (OAB/PB), José Alexandre Ferreira Guedes, que explicou as regras da discussão e passou a palavra ao coordenador da Caravana, Apolo Heringer, que rapidamente apresentou o grupo e comentou o sucesso do auditório cheio: Houve sugestões de um certo sacerdote que a imprensa não cobrisse a passagem da Caravana. Felizmente ela está aqui”, concluiu Apolo. Marilene, da Asa Paraíba, disse que o importante é “continuar e compartilhar o trabalho na Paraíba, depois da passagem da Caravana” por João Pessoa. A promotora Ana Rúbia Carvalho, do Ministério Público do Pernambuco, disse que tem quatro anos que os ministérios públicos da Bacia do Velho Chico trabalham para que a Constituição e as leis ambientais sejam cumpridas.
“Parece que esse país tem problema com os Chicos”, disse Marcos Sabaru, do povo Timgui-Botó de Alagoas. Ele continuou: “Só a água não vai trazer desenvolvimento. Sou indígena e sofredor como os senhores. Não tenho coragem de negar água para quem precisa. Sou igual a vocês, não tenho água, terra, [acesso à] saúde”. Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra da Bahia, mostrou reportagem que o jornal Correio da Paraíba, publicou no dia 19 de agosto. De acordo com dados da Defesa Civil paraibana publicados no jornal, 143 municípios já haviam decretado estado de emergência este ano por causa da falta de chuva. Entretanto, a mesma reportagem mostrava como agricultores do Vale do Cariri tinham, apesar da estiagem, água para o abastecimento e produção de alimentos. Essa água foi armazenada por meio de cisternas, barragens subterrâneas, poços. Outro ponto que Ruben fez questão de ressaltar é o aumento do preço da água para o consumidor. Ele ainda questionou: “a Embrapa diz que uma família precisa de 300 hectares para viver no semi-árido. Na Bahia, a maioria dos agricultores possui menos de 100 hectares, quanto será na Paraíba?”.
Depois da exposição dos membros da Caravana, foi aberto espaço para que os presentes pudessem fazer perguntas e comentários. Eles se dirigiam ao microfone e se apresentavam, na maioria das vezes, apenas com o nome e a entidade que representam. Um senhor chamado Jota, disse que na grande João Pessoa há grupos pró e contra. Os líderes do segmento pró-transposição são latifundiários e religiosos que todo mundo sabe o quem é. “É preciso ficar de olho, pois esse é um megaprojeto da indústria da seca”, afirmou o morador da capital paraibana. “Fico a pensar se a única solução é a transposição. O que me deixa estarrecido é que o projeto, da forma que está sendo abordado, coloca quem é contra como anti-Cristo”, analisa o economista e advogado, Israel Guedes. Emanuel, trabalhador dos Correios e presidente do PSOL Paraíba, disse que o partido se coloca contra a transposição. “Na Paraíba temos a mídia toda e os políticos tradicionais com a transposição. O importante a partir de agora, é unificar ações”, avalia.
Na parte da tarde a Caravana realizou um bate-papo com professores e alunos do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente das universidades Federal e Estadual da Paraíba (Prodema). Parte da equipe também visitou o superintendente do Ibama em João Pessoa.
Salvador (BA) – A primeira atividade do dia para a Caravana em Salvador foi um debate na reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde mais de 130 pessoas compareceram. O evento começou atrasado por causa do atraso no vôo que trouxe o grupo de João Pessoa. Ao chegar em solo baiano o grupo foi direto para a UFBA e se apresentou para os presentes. Entretanto, não foi possível abrir espaço para perguntas e respostas, pois a audiência com o governador, marcada para às 11:30, fez com que o grupo se retirasse da reitoria às 11:00.
“Minha disposição é levar o pleito ao presidente”. Com essa frase o governador da Bahia, Jacques Wagner (PT), encerrou a audiência de quase duas horas que teve com a Caravana em sua passagem pela Bahia, dia 30 de agosto. Esta audiência foi uma das mais difíceis de todo o percurso da Caravana. Embora solicitada com 15 dias de antecedência, a equipe só obteve resposta na véspera da chegada em Salvador. Embora grande parte da população baiana seja contra a obra, o governador Jacques Wagner defende que o Governo Federal inicie a transposição pelo eixo leste da obra, que beneficiaria os estados de Pernambuco e Paraíba.
No encontro, o coordenador da Caravana, Apolo Heringer, agradeceu a oportunidade e disse que o grupo acredita que a transposição não vai levar água a quem precisa. Ele ressaltou que a principal forma de atender a população difusa é com alternativas difusas. Além disso, ele ponderou que se houver transposição, será impossível conciliar a revitalização. “Queremos o diálogo. O senhor se comprometeu com o Dom Cappio, após a greve de fome, em reabrir o diálogo”, cobrou Apolo.
Luciana Khoury, do Ministério Público da Bahia, observou que houve sim a abertura do diálogo após o acordo com o Frei Cappio, mas que o processo de discussão foi suspenso, em comum acordo, por causa da eleição presidencial de 2006. Entretanto, depois que passou a eleição, não houve o retorno do diálogo, o que causou frustração. Luciana lembrou ao governador que “tem uma parede de processos” contra a obra de transposição.
O presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Thomaz da Mata Machado, disse que “é muito difícil dar segurança jurídica para uma obra tão polêmica. Em 2004, quando fizemos o debate no Comitê, chegamos ao consenso de 360 metros cúbicos por segundo do que se poderia retirar de água do São Francisco. O projeto da transposição propõe 98 metros cúbicos por segundo para o Ceará. É muita água. Por exemplo, é mais do que Minas Gerais tem direito de outorgar”.
Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra da Bahia, lembrou que em 2001,em uma manifestação contra a transposição do alto da ponte da Lapa, o discurso do Jacques Wagner havia sido o melhor; e hoje ele defende o projeto. Ruben disse que quando o Atlas do Nordeste foi lançado, o Governo Federal divulgou nota afirmando que as propostas contidas ali eram complementares à transposição, que vai beneficiar, segundo o projeto, 12 milhões de pessoas. O Atlas vai beneficiar 34 milhões de pessoas em nove estados e custa 3,6 milhões de reais. “Porque o Governo Federal não abraça isso?”, questiona Ruben, que entregou uma cópia em DVD do Atlas para o governador baiano.
“O senhor pode ser o nosso representante perante o Lula. Quero que abra o diálogo, mas não do jeito que foi feito, na véspera do carnaval. Tem que ser feito na beira do rio”, manifestou Toinho Pescador. Marcos Sabaru, do povo Timgui-Botó de Alagoas, disse a Jacques Wagner que: ”a Bahia tem várias lideranças, e o senhor é a maior delas. Tem uma história política; o governo passa. O senhor é o homem que pode unificar índios, quilombolas, pescadores, pode entrar para a história como o homem que resolveu o conflito”.
Após ouvir os relatos dos integrantes da Caravana, Jacques Wagner respondeu aos questionamentos. Primeiro deixou claro que diz o que pensa e que tem a absoluta consciência de onde veio e para onde vai. Depois, disse que nem sempre um lado está com toda a razão. “Estou recebendo vocês por causa da legitimidade dos movimentos e acho que eu não traí o Dom Luiz. Aceito a posição de vocês, pois separo vocês de oposição por oposição”, afirmou o governador baiano. Jacques Wagner acredita que já houve diálogo sim, ele pode ter sido, na palavra dele “atropelado”, mas houve. O governador é interrompido pela pergunta da professora da Universidade Federal da Bahia, Yvonilde Medeiros: “a quem beneficia esse projeto?”. “Pergunte a ele [o presidente]”, responde Jacques Wagner rispidamente, mostrando visivelmente sua irritação com a pergunta. O governador ainda completa: “esse é o problema do diálogo: cada um acha que está com a verdade”.
“A gente acha que a transposição é um desastre para o Brasil. É importante a sua pessoa para abrir o diálogo. Peça ao Lula para nos ouvir, estamos dispostos a ouvir as pessoas”, solicita Apolo Heringer. “Estou comprometido aqui a levar a mensagem. Só que a gente não pode achar que o presidente vai abrir o diálogo”, respondeu Jacques Wagner.
Após o encontro com o governador, a Caravana foi a uma audiência na Assembléia Legislativa da Bahia, onde cerca de 10 deputados ouviram dos integrantes contarem suas experiências com o semi-árido e com o São Francisco e os objetivos do grupo. Apolo Heringer pediu ajuda aos deputados baianos para reabrirem o diálogo com o governo. Os deputados se comprometeram a realizar uma audiência pública para debater a transposição do rio São Francisco e a convivência com o semi-árido.
No final do dia a Caravana foi recebida pelo arcebispo de Salvador e cardeal primaz do Brasil, D. Geraldo Majella Agnelo. Ele se mostrou sensibilizado com a luta da Caravana, disse que podemos contar com ele, pois “nós queremos que todos possam ser beneficiados e que haja a revitalização do Velho Chico”, disse o cardeal. Ao receber uma cópia do Atlas do Nordeste e exemplares da revista Águas da Ilusão, o Dom Geraldo sugeriu que o grupo preparasse cartilhas, com conteúdo mais simples, para explicar para o povo o que é o projeto de transposição. Se for feito ele tem interesse em distribuir.
Apolo pediu ao cardeal apoio para convencer o presidente Lula a reabrir o diálogo e receber a Caravana. “Acho que ele não vai negar. Deus abençoe vocês”, respondeu Dom Geraldo.
Aracaju (SE) – O governador sergipano, Marcelo Déda (PT), recebeu a Caravana no dia 31de agosto. O encontro foi marcado ainda na manhã do mesmo dia, já que o governador havia marcado e desmarcado o encontro anteriormente. A audiência era importante porque durante a campanha eleitoral de 2006, Marcelo Déda, disse num comício, em frente do então candidato Lula, que era contra a transposição do São Francisco. A Caravana cobrou um posicionamento mais claro do governador.
Apolo Heringer abriu a audiência dizendo ao governador sergipano que o grupo quer ser recebido pelo Lula para conversar, pois o presidente quer fazer a transposição de qualquer jeito. “Sua eleição aqui se deu por ser contrário a transposição. Ficamos até sem jeito aqui hoje, porque grupos políticos estão tentando se apropriar do tema (veja mais abaixo). Essa questão interessa a toda população não é uma questão partidária”, finalizou Apolo. “A sociedade sergipana precisa do governador nessa discussão. O senhor pode ser o interlocutor com o presidente”, afirmou o professor da Universidade Federal de Sergipe, Luiz Carlos Fontes. “Estou angustiado. Tenho certeza que o presidente Lula não tem conhecimento de como é esse projeto de transposição”, disse o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Júnior.
Flávio Barbosa, da Frente Cearense por uma nova cultura da Água e Contra a transposição das águas do Rio São Francisco, destacou que é importante discutir as políticas públicas de desenvolvimento do semi-árido. Seu Toinho Pescador lembrou que a categoria sempre foi marginalizada e que não houve diálogo com a base. ”Tenho 75 anos e nem devia ir mais pescar, mas vou. Meus nove filhos não estão na pesca porque não tem peixe. O senhor pode ser o nosso porta-voz junto ao Lula”, disse seu Toinho, que completou: “como mandar água de um rio São Francisco doente para outro Lugar? Em Sergipe falta água também. O Lula deve deixar o Planalto e vim conhecer o Velho Chico”.
“Minha posição historicamente foi sempre muito crítica sobre a transposição. Depois que o projeto foi reformulado, no primeiro mandato do presidente Lula, eu, como prefeito de Aracaju, critiquei o Partido dos Trabalhadores (PT) por assumir um projeto que não havia sido debatido”, afirmou o governador sergipano, Marcelo Deda, que continuou: “quando assumi o governo, tive a oportunidade de reafirmar que a posição do governador, do governo é crítica, contrária ao projeto; mas que pendia para o diálogo”.
Marcelo Déda avalia que é importante que haja a discussão do projeto por ambos os lados. E que ele é o único governador do Nordeste que verbaliza sua posição. Déda contou que os governadores do Nordeste têm um pacto para não colocar o assunto em discussão nas reuniões dos governantes da região nordeste; até porque, segundo Déda, a maioria é a favor. O governador disse ainda que tem profundas dúvidas quanto ao Projeto e que não foram discutidas outras alternativas para a questão do semi-árido.”A reivindicação que fiz ao lula é que reabríssemos o debate, não só para discutir a transposição, mas todo o semi-árido brasileiro. Não há nenhum problema em levar o pedido ao presidente e subscrevê-lo formalmente e informalmente”, se comprometeu o governador sergipano.
Antes do encontro com o governador, a Caravana participou de um debate no Auditório do Ministério Público Estadual. Os movimentos sociais lotaram o local. Entretanto, a mesa foi composta por muita gente: políticos locais e representantes de entidades, não havendo espaço até mesmo para toda Caravana. Após a fala rápida de alguns membros da Caravana, a mesa deu a palavra ao ex-governador de Sergipe, João Alves, que começou a apresentar um projeto alternativo de sua autoria, para resolver o problema da seca. No entanto houve um contra-tempo: a Caravana teve que sair mais cedo por causa da audiência com Marcelo Déda remarcada à última hora, quando o governador percebeu a grande repercussão da Caravana ma mídia e eventos em Aracaju. Os movimento sociais protestaram por que não tiveram tempo suficiente para se expressarem, apenas algumas poucas falas. Em Aracaju a posição contrária à transposição é generalizada e o governador Déda faz todo tipo de malabarismo para justificar sua posição ambígua.
Maceió (AL) – A Caravana encerrou sua marcha no último dia 1° de setembro na capital alagoana. Os membros sabiam que apenas uma etapa da luta contra a transposição terminou junto com a viagem para alertar o país sobre as incoerências do projeto do Governo Federal e a necessidade de criar políticas públicas para a convivência com o semi-árido.
A programação em Maceió foi um pouco diferente dos outros lugares por onde passamos. Primeiro foi realizada uma entrevista coletiva para a imprensa e depois foi aberto espaço para as perguntas e manifestações dos movimentos sociais, presentes no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Alagoas. O repórter da rádio Agência Al questionou porque o professor João Abner é contra o projeto, já que seu estado seria beneficiado? “É um presente de grego para o Rio Grande do Norte. O meu estado é exportador de água por meio de camarão e frutas e tem capacidade de dobrar a produção com a água que já tem. A água da transposição vai chegar lá muito cara”, respondeu Abner.
“Qual o custo da Caravana? Quem paga?”, perguntou o repórter da TV Alagoas. O coordenador da Caravana, Apolo Heringer respondeu: “Ela é financiada pelo Instituto Guaicui, ong que apóia o Projeto Manuelzão”. O repórter fez outra pergunta: “qual o perigo da transposição para o Nordeste?” Apolo respondeu que a obra pode dividir a região, impediria a revitalização do rio São Francisco e principalmente, não resolveria o problema da seca. O repórter continuou: “Vocês encerram a Caravana e no dia anterior o ministro Geddel deu uma declaração em rede nacional dizendo que a obra já começou e que ela é para acabar com a sede do nordestino sim”. “As declarações dele foram por causa da repercussão da Caravana. O ministro se sentiu obrigado a se pronunciar. A obra não começou! O que tem é que o Exército desmatou uma área e fez um buraco. Isso é para desmobilizar as pessoas”, respondeu o coordenador da Caravana.
Em pergunta direcionada a Lourival Aguiar, o Zito, da Articulação do Semi-árido (ASA), o repórter queria saber como o Ceará será beneficiado. “O Ceará tem uma população que não está interessada. Tem que identificar quem tem interesse na obra. Essa água não vai para o povo. Vai para a carcinocultura; ela nunca vai chegar para os 12 milhões de nordestinos como promete o projeto”, respondeu Zito. “Há dois anos fizemos uma mobilização e uma audiência pública na OAB Nacional em Brasília e conseguimos parar a transposição, que estava embalada. Como acreditamos, Lula nunca deixou esse assunto ir para o Senado. Esse assunto deveria ser discutido no Congresso Nacional. Gostaria de fazer uma pergunta para a promotora Ana Rúbia Carvalho, do Ministério Público do Pernambuco: quais os mecanismos jurídicos que a Caravana está pensando?”, questionou Marilma Torres, conselheira Federal da OAB.
Ana Rúbia destacou que era uma honra poder voltar a sua terra e que a transposição é uma “excrescência inconstitucional. A captação de água é feita em território Truká. Além disso, é necessário que obras impactantes tenham um estudo de impacto ambiental e seja produzido um relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA). O que o Governo Federal fez é uma bela obra publicitária. Não analisa todos os impactos e excluiu Minas Gerais do estudo. O Pleno do Supremo vai analisar todos os processos movidos pelos Ministérios Públicos. Temos ainda duas decisões do Supremo que podem interromper a qualquer momento a transposição”, respondeu Ana Rúbia. Marli Ribeiro, presidente das Mulheres Advogadas de Alagoas sugeriu que a Caravana fizesse algum tipo de parceria com o Rotary Club, que é internacional e tem grande penetração pelo país. “Sou contra a transposição. É uma posição nossa. Para quê esse projeto? Que modelo de desenvolvimento queremos? A quem vai beneficiar? Nós alagoanos não entramos nesse conto do vigário. Tem que ser tratada é a convivência com o semi-árido. Como tem tanta água e tanta gente passa sede?”, questionou a professora Leonilda Lima, presidente do Partido dos Trabalhadores de Maceió.
Após o evento a Caravana e cerca de 200 pessoas saíram em caminhada pelas ruas centrais de Maceió. Com faixas e palavras de ordem o grupo chamava a atenção de quem estava nas ruas para a revitalização do rio São Francisco. A ex-senadora e hoje professora da Universidade Federal de Alagoas, Heloísa Helena, caminhou e carregou faixa junto com os integrantes da Caravana e representantes dos movimentos sociais. Ela declarou que somente a mobilização dos movimentos sociais poderá parar esse projeto. Ela lembrou que enquanto era senadora, propôs um plebiscito para tratar da transposição nos estados envolvidos, mas ele não foi aceito, pois diziam que Minas Gerais possuía um colégio eleitoral muito grande. Mesmo abrindo mão de Minas no processo, ele não foi aceito. A caminhada foi encerrada na porta da OAB com um show musical do grupo Caçua, do município de Piaçabuçu.
A Caravana e alguns representantes de movimentos sociais almoçaram com o vice-governador de Alagoas, José Wanderley Neto. No almoço a Caravana colocou a necessidade do governo local entrar no debate. A seguir, as representações se dirigiram ao aeroporto encerrando-se, assim, vitoriosamente, a Caravana em defesa do São Francisco e do Semi-árido contra a Transposição que marcou a luta do São Francisco e do semi-árido em 2007.
A Caravana enviou ao presidente da República, através do governador da Bahia e da Casa Civil da presidência da República a seguinte carta. Nunca obtivemos qualquer resposta de nenhum dos dois.
Belo Horizonte, 28 de setembro de 2007
Ao Presidente Lula,
O diagnóstico contido no Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco, aprovado em outubro de 2004 pelo Comitê da bacia hidrográfica, demonstra alto grau de degradação ambiental decorrente de intervenções antrópicas ocorridas nas últimas décadas. Destacam-se os impactos decorrentes da construção de 8 barragens na calha do rio, o desmatamento generalizado provocado pela atividade agro-pecuária, com destaque para a extração de carvão para as siderúrgicas mineiras, a introdução da agricultura irrigada com tecnologias produtoras de gastos excessivos de água e o lançamento de efluentes domésticos, industriais, minerais e agrícolas, ao longo de toda a bacia.
Em função deste diagnóstico, da necessidade de garantir a reserva de água necessária para o fornecimento de energia elétrica para todo o Nordeste brasileiro e para a manutenção de vazão ecológica na bacia, o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco determinou que o limite para o consumo de água em toda bacia deve ser de 360m3/s. Esta decisão ocorreu de acordo com os artigos 7 e 37 da lei 9433/97, tendo como base estudos técnicos da Agência Nacional da Águas e dos órgãos gestores de recursos hídricos dos estados da bacia. A fixação de um valor máximo de retirada implica em auto-limitações de uso e de desenvolvimento econômico para todas as unidades federativas envolvidas, mas visa atingir um objetivo maior: promover a revitalização, manter a sustentabilidade do rio e a conciliação entre usos consuntivos e não consuntivos. Por exigir uma ampla negociação entre todos os atores envolvidos e entre as unidades da federação que compõem a bacia, trata-se, na realidade, da primeira etapa do Pacto de Gestão das Águas da Bacia do São Francisco. O passo seguinte, a fixação dos valores de entrega dos afluentes do rio São Francisco e a distribuição espacial da vazão alocável entre os Estados da Bacia, não foi ainda efetivado. A sua concretização encontra-se seriamente ameaçada em função da outorga concedida pela ANA para a obra da Transposição, programada para captar até 127m3/s e transferir para estados fora da bacia do São Francisco, uma média outorgada de 64m3/s.
O licenciamento da obra e a outorga, além de desconsiderarem o Plano da Bacia que admitiu alocação externa apenas para abastecimento humano e dessedentação animal, provocam significativo conflito entre os estados da bacia, entre estes e os estados receptores e entre usuários da bacia do São Francisco.
O projeto de obra da Transposição destina 80% das águas para os estados do Rio Grande do Norte e Ceará que não comprovam escassez de água para uso econômico, abastecimento humano ou dessendentação de animais nas bacias receptoras. Pelo contrário, a partir da década de 1980, no Rio Grande do Norte e finais dos anos 90 no Ceará, um esforço bem sucedido foi empreendido com a construção de grandes obras hídricas e aprimoramento da gestão de suas águas. Símbolos deste empenho são os açudes Armando Ribeiro Gonçalves no Rio Grande do Norte e Castanhão no Ceará, que garantem reserva hídrica por muitos anos nas suas bacias (Piranhas-Açu e Jaguaribe) e nas bacias metropolitanas no entorno de Fortaleza, através de canais de integração já existentes ou em construção. Nestes estados mais beneficiados a escassez de água está nas bacias do Oeste do Ceará e do Sertão Central/Inhamuns, não consideradas. Por outro lado, o estado de Pernambuco que possui 70% seu território dentro da bacia do São Francisco comprova escassez nas bacias do Pajeu e Moxotó e o estado da Paraíba sofrerá escassez na bacia do rio Paraíba em aproximadamente dez anos.
Em 2004 quando foi aprovado o Plano de Bacia do Rio São Francisco não havia sistematização e diagnóstico da real escassez de água no Semi-Árido Brasileiro. A partir do início de 2007, foi divulgado pela Agência Nacional de Águas – ANA, o Atlas do Nordeste de Abastecimento de Águas, que veio suprir esta lacuna. Trata-se de um minucioso diagnóstico hídrico de 1.112 municípios nordestinos com mais de cinco mil habitantes e 244 municípios abaixo desse quantitativo, com propostas de obras para solucionar os problemas de abastecimento humano até 2015. O seu alcance é grandioso: através de 530 obras, a um custo de 3,6 bilhões de reais, o Atlas prevê o abastecimento de cerca de 34 milhões de pessoas em todos os estados do Nordeste, incluindo parte do norte de Minas Gerais.
Também a partir de 2004 houve um importante avanço no apoio público a projetos que utilizam tecnologias alternativas de captação, reserva e utilização de água pela população dispersa no meio rural que vive da agricultura familiar. O projeto “Um milhão de Cisternas” alcançou mais de 20% de sua meta e apresenta resultados promissores tanto para o abastecimento familiar quanto também na utilização de água na produção agrícola e animal. E trata-se de apenas uma das possibilidades alternativas para aumentar a disponibilidade hídrica da população dispersa.
Finalmente a segurança jurídica da obra da Transposição não está assegurada já que tramitam diversas ações no TCU e no STF, sendo que nenhuma delas ainda foi julgada no mérito. Dentre elas destacam-se as que referem à utilização de recursos hídricos em terras indígenas e aquelas que questionam o EIA-Rima que não considerou nenhum impacto para os estados à montante e à jusante do local da obra, fato que estabeleceu o conflito entre estados da federação e a União em torno da Transposição. A transposição é sem dúvida nenhuma, o projeto mais polêmico do governo Lula.
Em função destas considerações solicitamos que Vossa Excelência atue junto ao presidente Lula para a realização de uma audiência com os membros da Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido e Contra a Transposição que levará proposta alternativa nos seguintes termos:
1- Adução de 9m3/s para os estados de Pernambuco e Paraíba redimensionando o projeto atual de 28m3/s, através de termo de ajustamento entre o empreendedor e o Ministério Público Federal com interveniência dos estados da bacia, do estado da Paraíba e do Comitê de Bacia do Rio São Francisco.
2- Suspensão do Eixo Norte da Transposição.
3- Adoção das obras previstas no Atlas do Nordeste de Abastecimento de Água que ainda não estão contempladas no PAC com ênfase para o Oeste do estado do Ceará e Sertão Central/Inhamuns.
4- Incremento do apoio da União à introdução de tecnologias que garantam o abastecimento de água e produção da população que reside no meio rural do Semi-Árido Brasileiro.
5- Apoio à revitalização das bacias hidrográficas dos rios Jaquaribe no Ceará e Piranhas-Açu no Rio Grande do Norte.
6- Apoio técnico-político ao Comitê de Bacia do São Francisco para elaboração do Pacto de Gestão das Águas do São Francisco com inclusão imediata do atendimento às demandas para abastecimento humano do estado da Paraíba e consideração dos pleitos dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte para abastecimento humano e dessedentação de animais.
7- Coordenação pela União da elaboração de um Plano de Desenvolvimento para todo o Semi-Árido Brasileiro, sustentável e socialmente inclusivo.
Atenciosamente,
Apolo Heringer Lisboa – Universidade Federal de Minas Gerais /Coordenador Geral da Caravana em Defesa do São Francisco, do Semi-Árido e Contra a Transposição e Presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas.
Dom Frei Luiz Flávio Cappio – OFM, bispo diocesano de Barra, na Bahia.
Thomaz Mata Machado – Universidade Federal de Minas Gerais / Presidente do Comitê de Bacia do Rio São Francisco.
Concordam e assinam os membros da Caravana abaixo:
João Abner – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco / Recife
Luciano Marçal – Engenheiro Agrônomo, secretario executivo da Articulação do Semi-Árido (ASA) / Recife
Coordenadoria Interestadual das Promotorias do Rio São Francisco:
Ana Rúbia Torres de Carvalho – Ministério Público do Pernambuco
Eduardo Lima de Matos – Ministério Público de Sergipe
Luciana Espinheira da Costa Khoury – Ministério Público da Bahia
Luciana Imaculada de Paula – Ministério Público de Minas Gerais
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco:
Luiz Carlos da Silveira Fontes – Universidade Federal de Sergipe
Yvonilde Dantas Bento Pinto Medeiros – Universidade Federal da Bahia
Comunidades tradicionais:
Antônio Gomes dos Santos (Toinho Pescador), representante da Federação dos Pescadores do baixo São Francisco / Alagoas
Marcos Sabaru – Povo Timgui-Botó, representante dos povos indígenas da bacia / Alagoas
Movimentos sociais e de defesa do meio ambiente:
Renato Pêgas Paes da Cunha – Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) / Bahia
Ruben Siqueira – Fórum em Defesa do São Francisco – Comissão Pastoral da Terra / Bahia
Soraya Vanini Tupinambá – Frente Cearense por uma Nova Cultura da Água e contra a transposição das águas do Rio São Francisco
Francisco Flávio Pereira Barbosa – Frente Cearense por uma Nova Cultura da Água e contra a transposição das águas do Rio São Francisco / MST
Lourival Almeida Aguiar – Articulação do Semi-Árido (ASA) / Ceará
*Além dos signatários desta Carta ao Presidente Lula, participaram da Caravana Humberto Santos, como
assessor de imprensa e Ludmila Lana, como apoio administrativo itinerante à Caravana.
Depoimentos marcantes de apoio à Caravana
Bispo Dom Luiz Flávio Cappio
Barra, 31 de agosto de 2007
Prezados amigos e amigas,
Membros da Caravana do Rio São Francisco, Paz e Bem!
Acompanhei com vivo interesse os passos heróicos da Caravana em Defesa do Rio São Francisco e do Semi-Árido Contra a Transposição. Por causa de outros compromissos pastorais, há muito assumidos, não tive condições de participar dessa jornada de brasilidade e cidadania.
Lideranças importantes e significativas com sólidos e abalizados argumentos levaram dados e informações que estão sendo sonegados pela oficialidade sobre os principais aspectos da obra de transposição. Essa, mais uma vez, foi desmascarada e mostrou sua triste verdade: é projeto para usos econômicos intensivos de água, às custas da sede e do bolso do povo. Isto é injusto e cruel.
A receptividade encontrada nos locais visitados, especialmente no chamado Nordeste Setentrional, mostra que o povo está cada vez mais desconfiado da propaganda enganosa do Governo e das reais intenções da transposição.
Com a Caravana, o povo reanimado, esclarecido e mobilizado, reacende-se na esperança de que as autoridades revejam a decisão de implementar a transposição e optem pelas alternativas mais eficientes e baratas na convivência com o semi-árido. Existem brasileiros que realmente amam sua terra e sua gente.
Deus abençoe os membros desta Caravana e faça multiplicar os seus frutos.
Com minha saudação amiga e fraterna,
Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM-Bispo
Diocesano de Barra-BA
Ruben Siqueira, coordenação nacional da CPT
Mais do que “contra” um projeto falacioso, a Caravana apontou para a necessidade de aprofundar a busca de soluções reais para o reconhecido déficit hídrico de algumas regiões do semi-árido. Isso fez a diferença, venceu resistências, plantou dúvidas e conquistou adesões à idéia da convivência e não de combate às condições naturais do semi-árido. A Caravana conseguiu recolocar o debate sobre o desenvolvimento do Semiárido e a situação do São Francisco, apontando para a necessidade de aprofundar a busca de soluções para o reconhecido déficit hídrico de algumas regiões do semi-árido.
O “Atlas Nordeste” da ANA (Agência Nacional de Águas) revela o diagnóstico das necessidades reais do abastecimento hídrico humano nas cidades do semi-árido e indica as soluções diversificadas e descentralizadoras de recursos, a um custo de 3,6 bilhões de reais, metade do custo da transposição até 2010 (o custo total é de 20 bilhões!). Todos se perguntaram: por que não é essa a opção?
Foram visitados os dois maiores açudes do Nordeste, Castanhão-CE e Armando Ribeiro-RN. Impressiona o volume de água estocada da região mais açudada do mundo: são 70 mil açudes, com capacidade de 37 bilhões de m3, dos quais apenas 25% são aproveitados. E o povo passando necessidade ao redor. Como acontece às margens do São Francisco. O problema é mesmo gestão democrática e eficiente e não falta d’água.
A Caravana foi oportunidade para ganhar visibilidade uma crescente onda popular por uma nova prática política, cada vez mais distante dos centros do poder. E por um outro desenvolvimento, econômica, social e ambientalmente equilibrado, em que o povo organizado demanda e é sujeito de soluções reais, como acontece tão fortemente no semi-árido. Ele só não é mero “entrave ao crescimento”, como disse o presidente Lula; ao contrário, é parte essencial do real desenvolvimento sustentável. A Caravana conseguiu sensibilizar autoridades para exigir do Governo Federal a retomada do diálogo sobre o desenvolvimento do semi-árido, a necessidade ou não da transposição e alternativas a ela. Governadores de Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas se comprometeram com a reabertura desta discussão, inclusive em levar a questão ao Presidente. Diante das ilegalidades, tais como os estudos de impactos ambientais incompletos e os impactos sobre populações indígenas sem consulta ao Congresso Nacional, cresce a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal agilize o julgamento das ações contra o projeto e, em sessão plenária, decida sobre o mérito da questão e impeça definitivamente a obra.
A Caravana foi uma especial oportunidade de conhecer o Brasil, repensar nossas referências de vida e de trabalho, de desenvolvimento, de política, de nação… Se o Brasil ainda faz sentido, será para resolver as necessidades materiais e imateriais da maioria de seu povo, com suas diversidades e potencialidades, para um desenvolvimento equilibrado, auto-sustentado e soberano. A questão do Semi-árido e o Rio São Francisco pode ser a ocasião para que esse desafio comece, finalmente, a ser enfrentado com seriedade.
Toinho Pescador
Seu Antônio Gomes, o Toinho Pescador, de Alagoas, acredita que a Caravana “foi um dos melhores momentos para mostrar a causa dos contrários à transposição”. Soraya Vanini, da Frente Cearense por uma Nova Cultura da Água, também avalia que o próximo passo é cobrar os compromissos firmados. Ela avalia, ainda, que a Caravana trouxe desdobramentos: “no Ceará introduziu novas discussões, como o abastecimento de Fortaleza; e propostas viáveis para cidades litorâneas com a dessalinização”. Para Rejane Alves, da Articulação do Semi-árido (ASA) da Paraíba, a passagem da Caravana mostrou que as “bases no campo precisam ser trabalhadas”, já que lá eles acreditam que serão beneficiados, por causa da forte presença da Igreja e da mídia.
Seu Taxim (Francisco Saldanha), 70 anos (foto) – presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Jaguaribara e morador do assentamento. Ele foi retirado de sua propriedade para a construção do Açude Castanhão. Nova Jaguaribara (CE)
“Quando foi para a gente vir para aqui [no assentamento], teve muito é promessa. Quando a gente estava lá eles diziam: ‘quando você for para lá, vocês vão melhorar a vida; vamos fazer o Canal da Integração e aí vocês vão fazer irrigação’. Eles batiam no bolso assim: ‘vocês vão viver com o bolso cheio de dinheiro. Lá vocês vão ter facilidade’. Eu dizia para o pessoal: ‘rapaz, não se iluda porque nada disso será verdade’, e taí, a realidade é essa. Tudo isso foi mentira. Quando essa barragem estava para começar, a gente brigou para que ela não acontecesse. Aí quando a gente viu que não tinha mais meio, a gente caiu em campo brigando pelos direitos da gente. Eu tenho esperança porque se a gente não esperar é um colapso. Aqui nós temos 170 famílias, temos mais dois assentamentos com quase 400 famílias. Se esse projeto não sair para nós é o fim de mundo. Eu, aqui, me sinto amargurado”. “Fui tirar água ali bem satisfeito. Primeiramente chegou os guardas; tem guarda dia e noite. Aí eles disseram que eu não poderia tirar. Eu disse que enquanto não fosse preso, tirava. No dia seguinte, eles chegaram com dois soldados na moto. Quando o pessoal daqui viu, eles fizeram um fecha, fecha e eles correram. Mas, no outro dia, veio um tal de coronel aqui, com polícia, com carro, com tudo. Desse dia em diante, eu não tirei mais água não porque a coisa estava feia”. O “ali” do relato do senhor Francisco Saldanha, o Seu Taxim, 70 anos, morador de Nova Jaguaribara é o Canal da Integração (CI). O CI “constitui-se de um complexo de estação de bombeamento, canais, sifões, adutoras e túneis, que realizam a transposição das águas do Açude Castanhão para reforçar o abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza, assim como do Complexo Portuário e Industrial do Pecém, fazendo a integração das bacias hidrográficas do Jaguaribe e Região Metropolitana”, explica o site da Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará. Entretanto, a água do canal está verde de tanto tempo parada. Se a transposição do Castanhão, que é mais modesta, não levou água para quem precisa, como acreditar que a transposição do Velho Chico vai beneficiar o sertanejo que sofre com a seca? Seu Taxim levou suas 25 reses para uma área a 70 quilômetros de distância de sua casa, para lá elas terem água de beber. Se a água é para matar a sede do homem e dos animais, por que ela não chega para a criação?
Humberto Santos cobriu a foz do São Francisco
Piaçabuçu (AL) – De Maceió a Piaçabuçu são cerca de duas horas e meia de van. De lado a lado, a paisagem é dominada por plantações de cana e coco. Entremeados entre as plantações, pequenos casebres. Em alguns deles, barracas vendem frutas. Uma penca de banana custa dois reais. A cana vai alimentar as usinas de Alagoas, que só perdem para as de São Paulo na produção de álcool combustível, dizem os alagoanos. O coco é para a indústria alimentícia. Alagoas divide com Sergipe mais do que a foz do São Francisco, divide também os problemas. O Velho Chico, sem forças, não “vai bater no meio do mar”, como dizia a música de Luiz Gonzaga. Na divisa dos dois estados o São Francisco está cheio, bonito. “Tudo isso é água salgada, estamos na maré alta”, me corrige Antônio Santos Veiga, 60 anos, pescador que começou no ofício aos nove, e que vê o pescado diminuir há muito tempo, desde as primeiras barragens no rio. Do lado sergipano, o farol do povoado de Cabeço ( foto), é só uma ilha vertical no meio do mar. Antigamente, ao seu redor, ficavam a igrejinha e outras construções do lugar. Hoje, só os peixes fazem turismo lá, pois o oceano avançou e arrasou o que tinha ali. O São Francisco não teve forças para defendê-lo. O último sobrevivente começa a desistir e lentamente afunda. Logo, o farol será apenas uma lembrança nas memórias e fotografias.
“O Rio Grande do Norte exporta água em forma de melão”. A realidade descrita na frase proferida diversas vezes durante a Caravana pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Abner Júnior, pode ser constatada pela passagem do grupo em Mossoró. Áreas e mais áreas cobertas pelas plantações da fruta (foto). O Rio Grande do Norte é responsável por 90% da produção brasileira da fruta, que é exportada. De acordo com a Prefeitura de Mossoró, “em 2004 a região produziu 194 mil toneladas de melão; 84,5% dessa produção, o equivalente a 164 mil toneladas, foi exportada. O restante atendeu ao mercado interno brasileiro. As exportações de melão movimentaram um volume de recursos da ordem de US$ 64 milhões”. O problema aqui é o modelo de desenvolvimento. As condições climáticas e a água existente no RN permitem que o estado seja um grande produtor de frutas, mas quem tem acesso a água para produzir são só os grandes grupos multinacionais. “Lá em Apodi já começaram a chegar grandes empresas do agronegócio, e a gente vê isso como um risco muito grande para nós que vivemos de agricultura familiar. O que resta para gente, é se organizar. Com essa chegada, as pessoas estão vendendo suas terras e indo para a cidade. Pegar 50, 100 mil para uma família de 5 pessoas, depois de um ano estaríamos em situação difícil”, analisa Francisco Edílson Neto, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Apodi, município próximo a Mossoró.
“Para o pobre, o açude Armando Ribeiro Gonçalves não trouxe melhorias. A melhoria chegou foi para os grandes produtores e agroindustriais. Hoje a barragem, ela controla a água. Quando as empresas pedem para diminuir, ela diminui; quando pedem para aumentar, ela aumenta. As grandes empresas, especialmente a Bel Monte e a Fino Brasa, têm o controle da água que sai da barragem. E se você perguntar hoje a diferença antes e depois da barragem, antigamente a gente vivia da agricultura familiar, plantava seu pedaço de terra. E tinha o rio para plantar na época de seca, então ela trouxe prejuízo para o pequeno produtor. Antes da barragem a gente era mais saudável, plantava. Hoje tem que comprar batata de fora”. Severino Cosme Xavier, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipanguaçu, município a 214 km de Natal, que foi afetado pela construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves.
Neste último trimestre de 2008 o país vive o arbítrio em relação à solução dos problemas do Semi-árido, com omissão dolosa do STF que não examina o mérito das proposições que lá estacionaram. Acordos parecem terem sido costurados à revelia da transparência, envolvendo interesses políticos personalistas. Reafirmamos aqui nossa convicção de que esta obra da transposição não vai começar; se começar não vai continuar; se continuar não vai terminar; se terminar não vai funcionar. Trata-se de um pesadelo para nós, mas que a história do Brasil vai julgar e envergonhados serão seus promotores por ação ou por omissão.
Apolo Heringer Lisboa , coordenador da Caravana e do Projeto Manuelzão.
Um ano de realização da Caravana que percorreu o Brasil em 2007
Artigo de Apolo Heringer Lisboa, do Projeto Manuelzão, que foi o coordenador da Caravana.
Este artigo utiliza reportagens do jornalista Humberto Santos, WWW.manuelzao.ufmg.br
Está publicado no livro Toda a verdade sobre a Transposição do Rio São Francisco, organizado por João Alves, de Sergipe com prefácio de Ives Gandra e mais 9 autores. MAUAD Ltda Editora, Rio de Janeiro. WWW.mauad.com.br
[EcoDebate, 29/10/2008]
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A Grande Vocação do Nordeste
O Semi-Árido Nordestino tem Grande Vocação para produzir Energia Elétrica utilizando o que a natureza nos oferece gratuitamente que é a Energia SOLAR.
Fomentando a Produção de Painéis de Células Foto-Voltáicas, através de Cooperativas de Pequenos Empreendedores Éticos, todo o Nordeste terá mais Energia Elétrica, podendo poupar o uso das Águas na Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, com isso terá a água necessária para efetivar o Abastecimento de Águas das Cidades e Povoados, como daqueles que atuam na Agropecuária, sejam eles Pequenos ou Grandes Produtores, desde que passem a utilizar Sistema de Produção Eficientes (baixo consumo de água).
Esses Painéis de Células Foto-Voltáicas podem ser utilizados de várias formas. Segundo os interesses dos cidadãos esse recurso pode ser utilizado INDIVIDUALMENTE ou EM GRUPO, podendo favorecer muito aqueles que se situam em áreas não servidas por Redes Elétricas.
As áreas não servidas por Redes Elétricas são Áreas de Baixa Densidade Demográfica. Para Implementar essas Redes Elétricas nessas áreas o CUSTO é muito ALTO e isso causa dificuldades para os Governantes da Região, pois eles têm uma série de outras prioridades.
Na maior parte do Semi-Árido Nordestino há enorme Carência de Água e levar Água do Rio São Francisco é, também, oneroso, e isso causa as mesmas dificuldades aos Governantes da Região. Poços Artesianos podem funcionar com a Energia Elétrica Painéis de Células Foto-Voltáicas – sendo SALOBRA podem ser DESALINADAS, através de Equipamentos Específicos que requer Energia Elétrica.
Para Fomentar a Produção de Painéis de Células Foto-Voltáicas requer que os nossos Governantes estabeleçam POLOS de PRODUÇÃO adequados, onde requer IMPLANTAÇÃO de uma Fábrica de “Silício Negro” que será a Matéria Prima Base dos Pequenos Empreendedores.
Com o tempo outros POLOS de PRODUÇÃO poderão ser IMPLEMENTADOS em todos os Estados do Nordeste, podendo se tornar o Maior Produtor Mundial desse fabuloso RECURSO que poderá contribuir muito no combate as Mudanças Climáticas.
MISSAO TANIZAKI
Fiscal Federal Agropecuário
Bacharel em Química
missao.tanizaki@agricultura.gov.br
Esplanada dos Ministérios, Bloco “D”, Sala 346-B, Brasíla/DF
TUDO POR UM BRASIL / MUNDO MELHOR