Assim no mar, como na terra, artigo de Márcia Pimenta
[Ecodebate] O mito da extensão infinita dos oceanos, como acontece com as grandes áreas de floresta, promove a crença de que os recursos naturais destes ecossistemas são infinitos. Porém, mais importante do que o tamanho é a saúde do ecossistema e sua capacidade de produtividade biológica, e no caso dos oceanos, sua produtividade pesqueira. Ao explorarmos estes recursos insustentavelmente, perdemos biodiversidade e dinheiro, como advertiu o Ministro para Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha, Sigmar Gabriel, durante a cerimônia de abertura da 9ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, em Bonn. Segundo ele, a perda anual de espécies vegetais e animais custa 2 trilhões de Euros, ou seja, 6% do PIB mundial.
A vida marinha é um bom exemplo: Se nada for feito, até 2050 não haverá mais pesca comercial, segundo Gabriel. Podemos imaginar o que isto representa para o estoque de alimentos, uma vez que bilhões de pessoas dependem da pesca como fonte de proteína. A crise no setor fica evidente pela situação de estagnação da pesca extrativa mundial, em torno de 85 milhões de toneladas, ou, mesmo redução na produção, a partir de meados de 1980. Segundo a FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – 76% dos principais recursos pesqueiros estão explorados ao máximo, sobrepescados, em colapso ou em recuperação de colapso.
A demanda crescente por barbatana coloca na lista de espécies em risco de extinção 21 espécies de tubarão e arraias, segundo estudo organizado pela União Internacional para Conservação da Natureza – IUCN. Sobrexplotados – retiradas do mar acima do nível de sustentabilidade -, também estão o peixe-espada, o bacalhau e o atum. O atum, preferido daqueles que apreciam sushis e sashimis, após ter sido quase extinto no Atlântico, é alvo dos enormes navios pesqueiros, agora no Pacífico. Na Argentina os cardumes da merluza comum, devido à falta de controle do Estado e à pesca exagerada, fizeram com que a população adulta diminuísse 70%, nos últimos 20 anos.
No Brasil, segundo o Programa de Levantamento Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva – REVIZEE os camarões, a sardinha-verdadeira, cações, tubarões, arraias e a corvina estão sendo capturados acima dos limites possíveis. A gestão equivocada dos recursos pesqueiros pode ser a chave para entender como chegamos a esta situação.
José Dias Neto, Engenheiro de Pesca e Coordenador Geral de Autorização do Uso e Gestão da Fauna e Recursos Pesqueiros da DBFLO/IBAMA, argumenta que com o fim da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE – em 1989, houve a divisão de competências de gestão que ficou da seguinte forma: “as espécies sobrexplotadas e as ameaçadas de sobrexplotação com o Ministério do Meio Ambiente – MMA – e as subexplotadas com o Departamento de Pesca e Aqüicultura – DPA, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA”. Assim deu-se a divisão do indivisível, já que uma espécie subexplotada hoje passa rapidamente para a lista de sobrexplotadas, como foi o caso do peixe-sapo e do caranguejo de profundidade. Hoje a SEAP/PR – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República – divide as atribuições com o IBAMA, mas não por muito tempo…
O Professor e Pesquisador do CTTMar – Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar da Univali – Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, José Angel Perez, também acredita que “atualmente o cenário mais nocivo no que tange à gestão pesqueira do Brasil é a existência de divisão de atribuições entre SEAP e IBAMA. Essa opinião é unânime na academia e em outros setores. A questão passa a ser onde concentrar essa gestão”. Perez sustenta que “a academia se divide entre aqueles que querem modernizar a gestão e por isso acham que o Ministério pode oportunizar isso. E outros que temem que um Ministério fique ainda mais submetido à pressão da indústria da pesca e, por conseguinte preocupe-se pouco com “conservação” dos estoques naturais, já muito debilitados pela sobrepesca. É uma difícil escolha. Eu pessoalmente me enquadro entre os primeiros, pois acho que hoje existem mecanismos de cobrança da sociedade, por exemplo, através de comitês de gestão participativa e da presença do Ministério Público de olho nas questões ambientais. Mas reconheço que os riscos dessa escolha são reais”.
Neto defende que “o Brasil foi um dos pioneiros em colocar a gestão do uso dos recursos pesqueiros na área ambiental e, hoje, o mundo toda caminha para tal. Assim, seria uma pena que o Brasil desse um passo atrás”. Ele acrescenta que “os posicionamentos da SEAP têm se mostrado similares ao da ex-SUDEPE que consideravam os recursos pesqueiros como recursos econômicos”. E lembra que “colocar sob um mesmo comando as ações de fomento, promoção e apoio à cadeia produtiva, gestão do uso dos recursos ambientais e a fiscalização, é o mesmo que “colocar a raposa para vigiar o galinheiro””.
Apesar de toda a polêmica, o Presidente Lula criou o Ministério da Pesca através de MP em 30/07 e criou 150 vagas para o novo Ministério, e em menos de 30 dias o próprio Lula revogou a MP e não há previsão para a votação do projeto de lei.
A alta recente dos preços dos alimentos tende a aumentar ainda mais a pressão sobre os recursos pesqueiros, que hoje se encontram sobrexplotados em todo o planeta. Mas o Brasil e o mundo não devem se aproveitar da crise mundial por alimentos, para apresentar metas mirabolantes para atividade pesqueira que hoje já dá sinais de exaustão, advertiu Neto. Segundo ele, a idéia preocupa já que para viabilizar o aumento da produção corre-se o risco de promover um regime de terra arrasada, ampliando a insustentabilidade em larga escala, na pesca e na aqüicultura e potencializando impactos onde a sobrepesca não é a única agressão a que estão sujeitos os oceanos.
Também o desperdício contribui para a insustentabilidade desta atividade. A pesca acidental, ou seja, aquela que captura espécies diferentes daquela que tinha como objetivo, segundo o Greenpeace, é responsável por ¼ do total global de captura. Estes exemplares são devolvidos ao mar mortos, ou quase mortos. Uma única passagem de um arrastão remove até 20 por cento da fauna e flora do fundo do mar. As campanhas de pesca com os maiores níveis de captura colateral são as da pesca do camarão, pois mais de 80% de cada captura pode consistir em espécies marinhas diferentes do camarão que é o objetivo.
Com a vida marinha em estado terminal, os oceanos não conseguirão responder aos desafios das mudanças climáticas, geradas pela concentração de gases de efeito estufa. O CO2 absorvido pelos oceanos torna o mar mais ácido e coloca em perigo os corais e corrói conchas, esqueletos de estrela-do-mar, moluscos e outras criaturas marinhas. Nos últimos dois séculos, o mar absorveu cerca de 1/3 de todas as emissões de CO2, modificando sua composição bioquímica, tornando-se corrosivo.
Para tornar o panorama mais sombrio, o aumento populacional nas zonas costeiras de todo o mundo só tende a aumentar, principalmente em algumas regiões da Ásia, o que trará mais impactos para este ecossistema. Descarga no mar de esgotos sem tratamento, excesso de nutrientes e agrotóxicos aplicados na agricultura, despejo de lixo, além de sedimentos oriundos do desmatamento são problemas que se somam à perda de habitats costeiros como manguezais e áreas alagadas. A perda destas áreas torna a costa vulnerável em caso de fenômenos climáticos extremos, debilita a capacidade dos recifes de corais se recuperarem dos efeitos do aquecimento do clima e reduz a já “cambaleante” produtividade dos ecossistemas costeiros que fornecem meios de subsistência e o alimento básico aos mais pobres. O mais dramático é que toda esta degradação ocorre em uma região que corresponde à área mais produtiva do oceano, ou seja, aquela até 100 km da linha costeira, a uma profundidade de cerca de 200m.
Com os recursos pesqueiros sobrexplotados, as políticas públicas se direcionam para a aqüicultura que vem aumentando sua participação na produção e no consumo mundial, respondendo por 43% de todo o pescado consumido no mundo. Segundo o último relatório da FAO “O ESTADO DA AQÜICULTURA E DA PESCA MUNDIAL/2006”, a atividade vem crescendo mais rapidamente do que qualquer outra do setor de alimentos, a uma média anual de 8.8% por ano, no mundo, desde 1980.
Mas a pressão destas atividades sobre os ecossistemas é grande! No Chile, recentemente, as fazendas de salmão foram atacadas pelo vírus da Anemia Infecciosa do Salmão. Para o combate da doença, são necessárias doses maciças de antibióticos, podendo elevar a resistência aos antibióticos nos seres humanos que consomem este pescado. Além disso, a criação destes peixes carnívoros não se mostra sustentável, já que é necessário aproximadamente 5 Kg de peixe fresco para a produção de 900 g de salmão criado em fazendas. O desenvolvimento em larga escala da cultura de camarões, em algumas áreas, resulta em degradação de áreas alagadas e manguezais, e também causa poluição hídrica, salinização do solo e das águas subterrâneas.
A insustentabilidade de atividades comerciais selvagens e o papel minimalista dos governos nacionais na regulamentação da pesca têm um custo, que a princípio não se percebe. É o custo da perda da biodiversidade, que como alertou o Ministro alemão, custa caro para a sociedade. Pesquisas, políticas públicas e fim dos subsídios que deslocam, para além do sustentável, o ponto de equilíbrio, estimulando o sobre uso das espécies ou mascarando os prejuízos da atividade pesqueira, são fundamentais para não ficarmos como expectadores passivos de um colapso anunciado, em um mundo onde a fome já é uma realidade para milhões de pessoas.
Márcia Pimenta é Jornalista com Especialização em Gestão Ambiental, colaboradora e articulista do EcoDebate
[EcoDebate, 11/10/2008]
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