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Artigo sugere utilização indiscriminada e irracional de anorexígenos em Belo Horizonte


Em relação à distribuição do consumo dos medicamentos anorexígenos por gênero, as mulheres predominaram em 88% dos casos (Foto: Prefeitura de Juiz de Fora)

O tratamento farmacológico contra a obesidade é indicado a pessoas que apresentam doenças associadas ao excesso de peso e que não obtiveram êxito em sua redução somente com dieta, atividade física e modificações comportamentais. No entanto, as drogas anorexígenas estão entre os medicamentos mais vendidos no Brasil, tendo sido registrado um aumento 500% no consumo desde 1998. A procura elevada por anorexígenos e os inconvenientes resultantes de seu uso motivaram pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a fazer um estudo sobre a prescrição e dispensação dos medicamentos em Belo Horizonte, avaliando o perfil de consumo na cidade.

“Essas substâncias promovem o aumento da pressão sanguínea e batimentos cardíacos, dilatação brônquica, constrição periférica dos vasos sanguíneos, dilatação das pupilas, esvaziamento da bexiga e intestinos, aumento da atenção, sensibilidade aos estímulos, perda de apetite e aumento da autoconfiança”, alertam os pesquisadores, acrescentando que o efeito dessas drogas anorexígenas tipo-anfetamina imitam o efeito da adrenalina. “Em caso de aparecimento de tolerância, torna-se necessário aumentar a dose para conseguir o mesmo efeito, o que implica maior probabilidade de ocorrência de efeitos secundários de natureza estimulante sobre o sistema nervoso central, como agressividade, ansiedade, angústia, inquietude e pânico”.

Publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, o estudo foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi feita uma análise das notificações de receita enviadas à vigilância sanitária do município pelas drogarias e farmácias de manipulação no ano de 2003. Os resultados dessa fase apontaram que 20 estabelecimentos, dentre os 455 que enviaram as notificações, realizaram cerca de 82% das vendas de anorexígenos. “A farmácia que se posicionou no primeiro lugar em vendas obteve sozinha 39,8% do total de notificações”, destacam os pesquisadores. Eles ainda apontam que, ao fazer uma distribuição do número de notificações registradas no ano analisado, o estabelecimento atendeu cerca de 183 solicitações por dia ou, aproximadamente, 32 por hora trabalhada.

Dos 859 médicos identificados como prescritores, 28 responderam por aproximadamente um terço das prescrições e cinco deles foram responsáveis por 10% das indicações médicas de anorexígenos. “As especialidades médicas mais atuantes no tratamento da obesidade são a endocrinologia médica e a clínica médica, que juntas produziram 74% das notificações”, afirmam os pesquisadores. “Observa-se, ainda, uma expressiva participação da cardiologia e a pequena, mas surpreendente, participação da odontologia e da medicina veterinária”.

Em relação à distribuição do consumo desses medicamentos por gênero, as mulheres predominaram em 88% dos casos. Além disso, 42,9% do total de notificações analisadas indicaram irregularidades que impediriam sua dispensação. “O setor público apresentou um percentual maior de notificação com alguma irregularidade do que o setor privado, o que sugere a necessidade de maior investimento dos órgãos públicos na educação permanente dos servidores”, comentam os pesquisadores.

Os dados obtidos no estudo também evidenciaram que é grande a disparidade entre as posologias e no número de caixas prescritas (mínimo de um e máximo de 12). E, embora o uso abusivo de anorexígenos gere preocupação, os casos de subdosagem também mereceram destaque, já que podem privar o paciente de um tratamento adequado. “A dosagem prescrita acima ou abaixo da preconizada na literatura pode ser explicada por erro de prescrição e/ou desatualização por parte do profissional médico ou, ainda, pela necessidade de ajuste de dose de alguns pacientes, reforçando o papel das farmácias magistrais neste caso”, dizem os pesquisadores.

A segunda etapa do estudo consistiu em uma vistoria no estabelecimento classificado como o maior dispensador de anorexígenos em Belo Horizonte. Foram examinados mais de 14 mil receituários emitidos entre abril e agosto de 2005. Os pesquisadores observaram que apenas dois médicos foram responsáveis por 32% das prescrições e que um deles responde por 60% das associações de dois ou mais anorexígenos anfetamínicos de idêntico mecanismo de ação para um mesmo paciente. No mais, 72,9% dos clientes da farmácia ultrapassaram os 90 dias recomendados de duração do tratamento e 12,3% consumiu mais cápsulas do que o recomendado pelo médico. “Contudo, todas as cápsulas foram adquiridas com receita médica, demonstrando o pequeno controle que os profissionais prescritores têm sobre o consumo de medicamentos dos seus pacientes”, apontam.

Os pesquisadores ressaltam que a pesquisa enfocou prescrições, ou seja, o uso lícito desses produtos, o que revela que o cenário apresentado demonstra um problema relevante de saúde coletiva e indica a necessidade de reavaliação das políticas até em tão adotadas para esses medicamentos no país. “É essencial conscientizar médicos de que os riscos advindos do uso dessas substâncias podem superar os benefícios, e que existe um prazo máximo de tratamento, recomendado por órgãos internacionais, que deverá ser obedecido”, comentam. “É ainda indispensável o aprimoramento das ações de vigilância sanitária com o propósito de aperfeiçoar o controle e a fiscalização dessas substâncias, mediando seu comércio e nele intervindo para a construção de um acesso mais racional”.

Matéria de Renata Moehlecke, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 09/10/2008.

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