Ceará: Tambores de produtos tóxicos usados na pesca ilegal da lagosta
Os pescadores que agem de forma ilegal no litoral cearense encontraram uma nova forma, proibida, de capturar a lagosta. É o que eles chamam de marambaia, um nicho artificial colocado no mar para atrair o crustáceo. A armadilha pode ser feita com qualquer material, mas a “moda” agora é usar tambores de produtos tóxicos. Somente em Itarema, no Litoral Oeste, o projeto Tamar, do Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas, mapeou 1.500 pontos do mar onde foram colocadas marambaias, grande parte delas feita com esses tambores.
O problema é considerado grave pelos especialistas no assunto. “Se alguma lagosta contaminada por esses tambores chegar aos Estados Unidos, acaba com a exportação de qualquer produto que venha do mar brasileiro”, alerta René Schärer, fundador do Instituto Terramar e membro do Comitê de Gestão para o Uso Sustentável da Lagosta no Brasil. “O pessoal usa é muito o tambor. É tanto que deu ferrugem na lagosta e ninguém conseguiu exportar”, confirma João Lopes, pescador de Acaraú.
De acordo com o engenheiro de pesca Eduardo Lima, coordenador regional do projeto Tamar, tem pescador em Itarema que, sozinho, possui 500 marambaias. “O uso desses tambores começou em Icapuí. Teve um pescador de lá que se mudou pra cá (Itarema) e trouxe a tecnologia”, diz. Um tambor – feito com tonel de ferro – custa, em média, R$ 25. Os pescadores amassam o material para que ele possa ser usado como uma espécie de abrigo para a lagosta. “É da natureza do crustáceo procurar esse tipo de esconderijo, principalmente, no litoral do Ceará, onde quase não há pedras e recifes naturais”, explica Eduardo Lima.
Em janeiro deste ano, os fiscais do IBAMA no Ceará flagraram um barco da empresa Qualipesca, que tem sede em Pernambuco, com 480 tambores a bordo, no mar de Beberibe. Além do risco de contaminação da lagosta, a existência de marambaia no mar preocupa porque, associado a ela, está o uso de compressores, equipamentos também proibidos para a pesca do crustáceo. O instrumento é uma adaptação do uso de botijão de gás como reservatório de ar comprimido.
É com o compressor que os pescadores mergulham para depositar a marambaia no mar e também para retirar a lagosta. De acordo com Schärer, existem, pelo menos, mil barcos de compressores no litoral da Bahia até o Piauí. A estimativa foi feita pelo Instituto Terramar. O uso do instrumento proibido gera uma disputa desleal com os pescadores artesanais. “Um barco de compressor com marambaias, em dois dias de trabalho, pesca o tanto que um barco a vela captura o ano todo”, compara Schärer.
Os barcos de compressores tomam o “lugar” no mar de quem pesca de forma legal. “E ninguém pode fazer nada. Eles andam armados. Quem vai dizer alguma coisa”, questiona José Leonardo, pescador há 30 anos que mora em Beberibe. “Ninguém diz nada. Eles vêm com atrevimento. É como um assalto. Você perde a pesca toda”, explica o também pescador, José Gomes do Nascimento.
Outro instrumento proibido que continua sendo usado pelos pescadores no litoral cearense é a caçoeira, uma espécie de rede, que, junto com a lagosta (muitas vezes, miúda), captura toda a fauna do mar. “Pesco com caçoeira porque é o jeito. Os próprios donos dos barcos exigem porque dá para trazer uma quantidade maior de lagosta. O pescador se obriga a ir porque é pai de família. Se ele não for, tem outro que quer e vai”, diz um pescador de Itarema, que pede para não ser identificado. Hoje, o único instrumento permitido para a pesca da lagosta é o manzuá, uma armadilha feita de madeira e coberta com nylon, com tamanho de perfuração adequada para não capturar lagosta miúda.
Com apenas dois barcos hoje disponíveis para fiscalizar os 573 quilômetros do litoral cearense, o IBAMA tem encontrado dificuldades para combater a pesca ilegal. O POVO conversou com o chefe de fiscalização do órgão no Ceará, Rolfran Cacho Ribeiro.
O POVO – Quantos barcos o IBAMA tem hoje para fiscalizar o litoral?
Rolfran Cacho – Temos dois barcos emprestados pelas prefeituras de Beberibe e de Icapuí e um barco que é do IBAMA, mas que está parado no porto. Estamos com um problema na tripulação. Numa viagem (ao mar), precisa de comandante, motorista e maquinista. No quadro funcional (do IBAMA) não tem essas categorias. Mas esse problema está sendo solucionado. Estamos recebendo recursos para contratar gente, pagar a diária deles e alugar umas lanchas rápidas.
OP – Quando o IBAMA flagra um barco pescando de forma ilegal, para onde ele é levado?
Rolfran – A gente deixa o proprietário como fiel depositário porque não tem um porto onde a gente possa guardar. Isso fragiliza a fiscalização.
OP – O IBAMA só fiscaliza no mar ou tem trabalho em terra também?
Rolfran – Tem sim, a gente fiscaliza as unidades produtivas, bares, restaurantes, os barcos chegando ao porto. Só que é difícil. Quando tem um carro do IBAMA na praia, todo mundo fica sabendo. O pessoal avisa. De mil (ilegais), a gente pega um. Quem faz a pesca predatória numa praia dessa tem um monte de protetores.
OP – Os pescadores sabem quando o barco do IBAMA vai ao mar?
Rolfran – Sabe também porque o barco precisa se preparar. Tem de colocar o combustível, o rancho (dos tripulantes). Aí tem dois, três caras de moto só filmando a gente até descobrir pra onde o barco vai. Depois, é só passar o rádio avisando o pessoal que está no mar. O grupo que faz a pesca predatória age de forma organizada.
OP – Os pescadores falam que o IBAMA sabe quem pesca ilegalmente. É verdade?
Rolfran – A gente tem o levantamento. Mas precisa fazer o flagrante. Tem de pegar no mar. E para fazer o flagrante, tem de ter um (barco) com velocidade um terço maior do que os ilegais. Os deles são mais velozes do que os nossos. Antes que a gente chegue até eles, o pessoal joga o compressor com tudo no mar para se livrar do flagrante. Já são orientados pra isso. Não e fácil. O pessoal burla a fiscalização.
Matérias de Tiago Braga, enviado aos litorais Leste e Oeste, Jornal O Povo, CE, 16/09/2008.
[EcoDebate, 17/09/2008]