A insustentável leveza da poeira venenosa, artigo de Serrano Neves
[EcoDebate] Os problemas criados pela mineração em Paracatu (RPM/Kinross), enfim, alcançaram a grande mídia através de reportagem de O Estado de Minas do dia (13 de julho, pág. 21), e a peneira com que tampavam o Sol caiu.
O tremendo impacto sócio-ambiental vinha sendo disfarçado pela poeira do desenvolvimento, do emprego e da renda, estratégia dirigida pela RPM/Kinross que posa de “mãe de Paracatu” divulgando números sobre benefícios sociais e maquiagem ambiental, em flagrante desrespeito à inteligência dos paracatuenses. Poeira do desenvolvimento, a mesma poeira de rocha arseniopirita que tolda o ar espalhando veneno sobre as pessoas e sobre o meio-ambiente.
A parte da cidade mais atingida é a periferia invadida pela população de baixa renda, sobre a qual a poeira que cai é tão intensa que sobre os móveis esbranquiçados é possível escrever claramente a palavra MORTE.
Mal sabem os políticos e os poderosos que são beneficiados pela bolha econômica que partículas invisíveis a olho nú estão sendo respiradas e os males dos pulmões e dos rins os atingirão igualmente, bastando o tempo correr, isto é, se já não foram atingidos pelo arsênio e outros metais pesados.
A RPM/Kinros avalia que se trata de uma população ignorante, incapaz de obter informação de boa qualidade sobre os males causados pela mineração a céu aberto em rocha arseniopirita.
Tal modalidade causa severos danos à saúde humana no mundo inteiro.
As informações estão reunidas no ALERTA PARACATU (http://alertaparacatu.blogspot.com/ ), inclusive laudos técnicos sobre contaminação da água subterrânea em propriedade sobre a qual se dá notícia de que a RPM/Kinross adquiriu com sobre-preço.
Os órgãos governamentais competentes para cuidar da saúde humana e do meio-ambiente não definem se exercerão suas atribuições ou se darão espaço para o desenvolvimento econômico às custas do sacrifício humano, ou são lentos demais para cuidar de um problema que começou fazem 20 anos com a mesma configuração de hoje.
Difícil entender que as providências oficiais só serão tomadas quando as pessoas começarem a cair mortas no meio da rua.
A boa (!) providência do poder público municipal foi a instalação de um centro de hemodiálise, ou seja, o capital predador dana a saúde renal e o governo municipal – beneficiário da bolha econômica – trata os doentes até que ganhem um novo rim para envenenar ou até que morram.
A providência que não quiseram tomar – mas foram requeridos a fazer – é o levantamento epidemiológico de envenamento crônico por arsênio e outros metais pesados.
As autoridades municipais não se movem nem para proteger a economia local, vez que a produção de leite, carne e hortifrutigranjeiros pode estar contaminada e contaminando as pessoas dos lugares para onde são exportadas, inclusive Brasília.
Apenas pedem para “calar a boca” pois a divulgação pode compromente a economia, mas não fazem as análises necessárias para proteger a economia e principalmente a saúde humana.
As entidades envolvidas no processo de proteção querem a proteção da saúde humana que afirmam, com base no princípio da verossimilhança fática, estar sendo afetada pela contaminação advinda da mineração da RPM/Kinross.
As entidades estão trabalhando na divulgação das informações enquanto esperam que o Ministério Público local conclua o Inquérito Civil Público e entre com a ação.
As autoridades locais (atuais e candidatas) estão perdendo a chance de fazerem o dever de casa, mas estejam certas de que se não o fizerem o Judiciário o fará, e se o Judiciário não fizer – duvidamos que não faça – as doenças e mortes atribuidas ao arsênio e outros metais pesados lhes serão atribuídas por omissão.
(*) Serrano Neves é Procurador de Justiça Criminal em Goiás, Presidente do Instituto Serrano Neves e membro do Conselho Curador da Fundação Acangaú
[EcoDebate, 22/07/2008]