Desertificação no semi-árido, por José Romero Araújo Cardoso
[Tribuna do Norte] Abrangendo mais ou menos um milhão de quilômetros quadrados, a porção semi-árida brasileira singulariza-se devido às condições naturais ímpares referentes ao clima e ao solo, motivos pelo quais devem se intensificar a responsabilidade no que tange ao processo de intervenção e usufruto dos recursos, personificados no capital natural da região intensamente explorado a fim de atender exigências econômicas e individuais.
O contínuo desmatamento da caatinga consiste em um dos mais sérios problemas ambientais no semi-árido brasileiro, destruindo a riqueza da flora e o habitat da fauna, ambas adaptadas aos rigores das intempéries, as quais personificam verdadeiros milagres da natureza.
O despovoamento do campo vem atingindo a região semi-árida brasileira de forma inexorável, seguindo tendência nacional no que diz respeito ao aceleramento do processo de urbanização. Os sertanejos se aventuram em direção às cidades, buscando melhores condições de vida, em vista que a zona rural do interior nordestino também vem sendo alvo de bruscos desestímulos sócio-econômicos que tendem a inviabilizar a permanência humana, principalmente a partir do advento da praga do bicudo, responsável pela desestruturação da tradicional cotonicultura, importante atividade que garantiu geração de emprego e renda na região em épocas pretéritas.
Minimizada a presença humana na zona rural sertaneja, intensificam-se a exploração madereira e o desmatamento visando à implementação de rentáveis práticas agrícolas voltadas para o mercado externo. A região sul do estado do Piauí vem sendo castigada pela expansão de vossorocas, formadas graças à retirada da vegetação nativa para ceder lugar aos plantios de soja.
Além da área compreendida principalmente pelo município de Gilbués (PI), se encontram em preocupante e vertiginoso processo de desertificação as áreas que abrangem o Seridó Potiguar, Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e o Raso da Catarina (BA), sendo que esta última singulariza-se através da forma como as condições naturais apresentam-se mais intensas e desafiadoras.
A irresponsabilidade humana para com os ecossistemas caatingueiros despertou reflexões em louvado teórico nacional para a dimensão do problema. Celso Monteiro Furtado, sertanejo, nascido no dia 26 de julho e 1920, natural do município paraibano de Pombal, chegou a propor o rápido e completo despovoamento do semi-árido, a fim de que a natureza pudesse se restabelecer. O autor de célebre trabalho por título “Formação Econômica do Brasil (1959)”, além de outras obras clássicas, conhecia perfeitamente as condições edafoclimáticas ímpares apresentadas pelo quadro natural do semi-árido brasileiro, de cujo raciocínio, com certeza, direcionou-se à busca de solução imediata para a dramática expansão de provável impossibilidade futura de se reverter o intenso processo de desertificação que se intensifica cotidianamente, trazendo múltiplos percalços para o homem e para a natureza.
Quando se transita pelas estradas do sertão é comum deparar-se com automóveis de médios e grandes portes transportando madeiras retiradas da caatinga. Diversas espécies vegetais encontram-se em ascendente processo de extinção, fato verificado também com a fauna, a qual vem desaparecendo devido principalmente à caça predatória e à destruição de habitats naturais.
Impacto ambiental de proporções calamitosas, a desertificação do semi-árido vem recrudescendo de forma hodierna dramas seculares que afligem a população sertaneja, refletindo a ausência de compromisso para com o meio ambiente, sobretudo no que diz respeito a biomas frágeis e extremamente delicados, de cujas características naturais deveriam desestimular a ênfase à ganância estratosférica que vem sendo exponencializada por irresponsável parcela do gênero humano, principalmente a “beneficiada” com o atual estágio do modo de produção capitalista, o qual vem sendo marcado pela proposta de globalização.
José Romero Araújo Cardoso – Geógrafo. Professor adjunto da UERN
(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo Tribuna do Norte, RN – 25/10/2007
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