Bebendo, comendo e gerando problemas, por Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Na semana passada, o Ministério Público Federal em São Paulo recomendou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente que suspenda a realização de audiência pública sobre o novo aterro de resíduos, destinado a substituir os Aterros São João e Bandeirantes, já esgotados, para os quais se destinavam mais de 10 mil toneladas diárias de lixo da capital. Porque os cidadãos têm dificuldade para acessar as mil páginas do estudo de impacto ambiental das novas instalações. E enquanto ele é não é licenciado, que se fará com o lixo paulistano?
É um tema para o qual a atenção dos quase 11 milhões de habitantes da cidade deveria estar voltada prioritariamente. Mas não está, como em geral não está para as questões do lixo em geral. Por exemplo: quem sabe que cada pessoa produz a cada ano em média dez vezes o peso de seu corpo? Quem sabe que esta semana se esgotou o prazo para participar da consulta pública que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promoveu para definir critérios na reciclagem de embalagens e equipamentos de pet (polietileno tereftalato)? Quem sabe que são de pet 80,5% dos cerca de 10 bilhões de embalagens de refrigerantes (fora as de alimentos e outras) que circulam a cada ano no País e que pouco menos de 50% delas são recicladas – o restante vai para aterros, entupir as redes urbanas de drenagem ou o leito dos cursos d’água (como mostrou Elisangela Roxo neste jornal, em 8/9)? Quem sabe que a produção de cerveja (9,06 bilhões de litros anuais), hoje majoritariamente engarrafada em vidro (70%), alumínio (27%) e garrafas long neck (3%), pode, por questões de custos, transferir-se para o pet, gerando, nesse caso, 11 bilhões de embalagens desse tipo por ano – e impactando o recolhimento em aterros?
O tema gerou discussões importantes num fórum sobre os impactos do pet no meio ambiente, promovido há poucos dias em São Paulo pela Ecomarapendi e pela Águas Limpas Parati, com a participação de vários especialistas em resíduos e políticas urbanas. Por ali circulou muita informação que pode ajudar a criar uma consciência social sobre o tema e a necessidade de políticas e legislação na área.
Na média, o pet já responde por uns 5% do lixo urbano no País. Mas poderá ser muito mais se a cerveja deixar de ser engarrafada em vidro, principalmente, como é hoje, já que a embalagem de vidro pode ser reutilizada até 30 vezes, enquanto a de pet ou tem de ser reciclada a cada uso ou aumenta o lixo nos aterros. Mas entram também nas contas os custos de transporte de retorno, lavagem e outros, que favorecem o pet, que dispensa isso. Essas e outras razões fizeram o uso de garrafas pet para alimentos e bebidas aumentar 450% entre 1994 e 2005, segundo o professor Sabetai Calderoni, da USP. Porque ele tem crescido sem regulamentação. Há projetos no Congresso, como o do deputado Jovair Arantes, que proíbe o uso de garrafas desse tipo. Mas está parado.
Enquanto nada acontece, elas vão sendo levadas para aterros (na melhor das hipóteses), onde podem levar um século para se degradar, segundo as estimativas mencionadas pelo especialista Cícero Bley Jr. Que lembrou certa resistência dos cerca de 500 mil catadores em atividade no Brasil para trabalhar com o pet, porque, com maior volume, ele tem menor peso e menor preço (entre 80 centavos e um real por quilo) que o papelão, por exemplo. Mesmo na reciclagem, são muitos os problemas: é preciso retirar a tampa e o gargalo; as tintas dos rótulos, que não são biodegradáveis nem removidas pelas lagoas de sedimentação, tendem a espalhar metais pesados que vão para os cursos d’água; e a cola dos rótulos confere ao pet reciclado uma coloração que dificulta seu aproveitamento. Não é por acaso, assim, que uma parcela considerável dessas embalagens acabe entupindo as drenagens urbanas (90 mil por dia numa cidade como Brasília, lembrou a professora Maria do Carmo Lima Bezerra, da UnB) ou indo diretamente para os rios.
Diante de tantas questões, seria indispensável haver uma política para destinação final desses resíduos, que impedisse que os custos continuem a ser atribuídos a toda a sociedade, e não aos produtores das embalagens e/ou consumidores dos produtos. Poderia ser como em alguns países europeus, onde se criou uma taxa para os produtores (no caso da Alemanha, o fundo criado com a arrecadação da taxa, que cuida da coleta e da destinação do lixo seco, levou à redução de 15% na geração dos resíduos). Ou a criação de um fundo para financiar a coleta seletiva de pet, como propõe o movimento nacional dos catadores de lixo. Mas o recente projeto de uma política nacional de resíduos, enviado pelo governo federal ao Congresso, não responsabiliza nem esses nem outros geradores de lixo pelos custos da coleta e da destinação.
Seria possível recorrer aos artigos 225 (direito ao meio ambiente equilibrado) e 170 (sobre a função social da propriedade) da Constituição do País, como lembrou no fórum o procurador da República Arlindo Daibert. Por esse caminho, outro procurador, Jefferson Aparecido, de Marília (SP), conseguiu liminar numa ação civil pública para exigir estudo prévio de impacto ambiental para indústrias de cerveja que pretendam usar pet em embalagens.
Como lembrou o secretário do Fórum de Mudanças Climáticas de São Paulo, Fábio Feldman, é preciso definir em lei a chamada “responsabilidade pós-consumo”, assim como é preciso incluir o tema numa política nacional de resíduos. Objeções graves à própria reciclagem do pet – que chegam mesmo a sugerir a proibição desse caminho – foram apresentas por especialistas na consulta da Anvisa.
É preciso ter urgência. As questões da insustentabilidade dos padrões de produção e consumo, emissão de gases nos aterros (influenciando mudanças do clima) e necessidade de justiça social assim o exigem.
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo O Estado de S.Paulo – 12/10/2007