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Entrevista com Rogério Nunes da Silva, CPT/PR: Construção de usina hidrelétrica no Rio Tibagi é um grande erro

“O processo de planejamento, licenciamento e instalação da Usina hidrelétrica de Mauá no Rio Tibagi se dá como se as populações tradicionais, indígenas e ribeirinhas ameaçadas não existissem”. A denúncia é do secretário executivo da CPT-PR, Rogério Nunes da Silva.

Ambientalistas, pastorais e movimentos sociais denunciam que a construção da usina hidrelétrica do Mauá no rio irá afetar severamente o ecossistema da região, as populações mais pobres e pode afetar o abastecimento de água potável da cidade de Londrina. Rogério Nunes da Silva da CPT-PR, em entrevista realizada pelos colegas do CEPAT, afirma ainda que os procedimentos de construção da usina estão cercados de irregularidades.

O Rio Tibagi é um dos principais rios que compõe a hidrografia do Estado do Paraná. Desde o século XVIII pesquisadores e naturalistas relatam as maravilhas do rio. Na Bacia do Tibagi se concentra 40% de toda a captação de água potável do Estado.

Rogério Nunes da Silva é formado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que a CPT do Paraná pensa sobre a construção da usina hidrelétrica de Mauá?

Rogério Nunes da Silva – É com grande preocupação que a CPT tem acompanhado a proposta da construção da hidrelétrica de Mauá. A construção da usina é um grande erro. Infelizmente há uma ausência completa de debate no Estado do Paraná sobre as consequências da construção dessa hidrelétrica. Debate-se muito sobre as usinas no Rio Madeira, mas aqui no Paraná o processo não é diferente. Estamos diante de uma imposição dos interesses econômicos.

Os pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade Estadual de Maringá (UEM), ambientalistas e a própria comunidade local têm apontado várias irregularidades no processo de licenciamento da UHE – Mauá. O processo de planejamento, licenciamento e instalação da UHE Mauá se dá como se as populações tradicionais (indígenas e ribeirinhas) ameaçadas não existissem. Para deixar as coisas bem pontuadas, é preciso esclarecer que a instalação de uma usina hidrelétrica é decidida após um processo administrativo complexo, formado por três procedimentos diferentes e no que se refere à proposta da UHE – Mauá são encontradas irregularidades em todos estes passos.

IHU – Que procedimentos são esses?

RNS – Segundo as regras da ANEEL, durante a elaboração do inventário (que o plano de aproveitamento dos potencias hidrelétrico de um rio), é necessário consultar-se os órgãos de gestão dos recursos hídricos e os órgãos de fiscalização ambiental. No caso do Rio Tibagi, o órgão máximo de gestão dos recursos hídricos é o Comitê de Bacia. O que preocupa a CPT e as demais entidades que vêm defendendo a anulação do processo de licenciamento em curso é que apesar da legislação vigente garantir e fomentar a participação da sociedade organizada na gestão os recursos o hídricos, até o presente momento o Comitê de Bacia do Tibagi, não foi consultado pelo contrário apresentou uma moção solicitando o cancelamento do processo de licenciamento.

O segundo procedimento que integra o processo de instalação de uma usina hidrelétrica é o da concessão da outorga prévia de uso da água. Segundo a Lei Estadual dos Recursos Hídricos, esta outorga prévia só pode ser concedida pela Agência Estadual de Águas (SUDERHSA) se no plano de bacia (discutido e aprovado pelo Comitê de Bacia) estiver previsto o uso da água para geração de energia elétrica.

No caso do Tibagi, o Comitê de Bacia ainda está discutindo esse plano e, portanto não o aprovou. Neste sentindo, até que o plano esteja aprovado, a agência Estadual de Águas teria que consultar o Comitê de Bacia antes de emitir a outorga, enquanto o plano não fica pronto. No entanto, contrariando a legislação vigente e desconsiderando a sociedade organizada representada no Comitê de Bacia, a SUDERHSA emitiu a outorga prévia para a UHE Mauá sem que o Comitê fosse consultado.

O terceiro procedimento necessário para se instalar uma usina hidrelétrica é o licenciamento ambiental. Os primeiros estudos prévios de impacto ambiental elaborado para se verificar a viabilidade ambiental das usinas previstas no inventário de aproveitamento hidrelétrico do Rio Tibagi foram feitos em 1996. De lá para cá, os interessados em construir as barragens ingressaram com os pedidos de licenciamento ambiental de três usinas: UHE Jataizinho, UHE São Jerônimo e agora UHE Mauá.

No estudo impacto ambiental da UHE – São Jerônimo (realizado no ano de 2001), estava previsto o alagamento de terras indígenas, circunstância esta que depende de prévio consentimento das comunidades atingidas e de autorização do Congresso Nacional. Mesmo sem esse consentimento e sem a autorização do Congresso, foi dado prosseguimento no licenciamento ambiental de São Jerônimo. Na época, foram movidas ações civis públicas e ações populares e como resultado destas o poder judiciário definiu que só seriam expedidas licenças ambientais para a construção de barragens no Rio Tibagi após a realização de um estudo prévio de impacto ambiental que abrangesse toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi. Após esta posição do Poder Judiciário, o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (que conduzia o licenciamento) emitiu uma declaração dizendo que antes de dar continuidade a qualquer licenciamento ambiental no Tibagi, exigiria uma avaliação ambiental integrada da bacia do Tibagi. A mesma posição teve o IAP que determinou a época que novos empreendimentos hidrelétricos também passassem por essa avaliação ambiental integrada da bacia.

Todavia, os interessados na UHE Mauá deram entrada no pedido de licenciamento ambiental sem que tivesse sido feita a tal avaliação integrada. E, mais, o estudo prévio de impacto ambiental elaborado pela CNEC Engenharia S/A – empresa do grupo Camargo Correia – para a UHE Mauá, além de não abranger toda a bacia hidrográfica, teve parte de seus dados adulterada para que o empreendimento parecesse menos agressivo ao meio ambiente.

Por fim, agora no mês de julho nos deparamos com o problema da mina de carvão abandonadas pela empresa Klabin. Um estudo da ONG Liga Ambiental alertou que minas de carvão desativadas, em Ortigueira, ficarão submersas no possível lago da Usina e passarão a liberar poluentes, que contaminarão uma extensa área, onde hoje se faz a captação de toda a água que abastece Londrina e região. Exploradas desde a década de 1930 até 1992 pela empresa Klabin, as minas foram soterradas, mas suas 26 entradas permaneceram abertas. O estudo aponta que ao ficarem submersas, a sessenta metros abaixo do nível da água, as minas vão passar a liberar poluentes, que contaminarão uma extensa área, onde hoje se faz a captação de toda a água que abastece Londrina e região.

IHU – Quais são os principais impactos para as populações da região?

RNS – O primeiro e o mais grave deles é a possível perda da terra. Principalmente na região do município de Ortigueira a área a ser alagada tem um grande número de pequenos agricultores/as, que tem na extração do mel uma das principais fontes de renda. Principalmente a partir deste ano tem se criado “um clima na região” de inevitabilidade da construção das barragens. Então, além da possível perda econômica, os agricultores/as já estão expostos a uma grande pressão psicológica por parte dos membros do consórcio Cruzeiro do Sul (formada pela COPEL e pela ELETROSUL), que tem insistentemente assediado as lideranças dos agricultores/as. No que se refere às indenizações o EIA-RIMA é confuso e pouco objetivo. Até agora permanece um conjunto de questionamentos ainda não respondidos. Na região há um conjunto de posseiros e arrendatários e até de assalariados rurais que serão impactos, mas até agora não se sabe se estas pessoas serão indenizadas.

IHU – Há alternativas ecologicamente sustentáveis frente às usinas hidrelétricas?

RNS – Pensar em alternativas ecologicamente sustentáveis nos remete para o desafio de pensar duas questões. A primeira delas se refere ao modelo energético. Quando olhamos para o consumo de energia no Brasil observamos que a metade é consumida pelas indústrias pesadas (cerca de 48, 4%), tais como o setor de Cimento, Siderurgia (Aço), Metalurgia (Ferro – ligas, alumínio), Química, Papel e Celulose. O consumo residencial consome cerca de 25,3 % da energia.

Quando olhamos para o preço pago nos assustamos de 1995 a 2002 a tarifa de energia elétrica residencial aumentou mais de 180%, enquanto a inflação foi de 58%! A maior parte do dinheiro arrecadado vai para fora do Brasil, pois a maioria das empresas de produção e distribuição de energia são estrangeiras.

Mesmo as ditas empresas estatais, têm vários grupos privados como sócios: na COPEL, por exemplo, 45% das ações pertencem a grupos privados. O preço pago por um quilowatt de energia elétrica por um consumidor comum é 5 vezes mais do que o custo de produção, ou seja, dá muito lucro vender energia no Brasil. As empresas norte-americanas já sabem disso: vendem a energia no Brasil pelo dobro do preço cobrado nos Estados Unidos. O povo brasileiro paga uma das taxas de energia mais caras do mundo, isso depois de ter pago já um alto custo social e ambiental pela construção dessas hidrelétricas.

Uma outra questão que é urgente está relacionada ao modelo de consumo vigente na sociedade atual. Está claro que do ponto de vista este modelo é insustentável e o que preocupa é que todas são poucas as discussões referentes à questão energética na atualidade não aponta para este limite. No que refere às alternativas, já temos acúmulos do ponto de vista da discussão e que são relativamente simples e precisam ser potencializados pela ação do poder público. Um exemplo é a redução das perdas no sistema elétrico brasileiro.

Segundo o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragem, se o Brasil diminuísse as perdas de energia de 16% para os 6% considerado como padrão mundial, estaria economizando uma quantidade de energia equivalente ao que produz durante um ano uma usina hidrelétrica de 6.500 MW de potência (mais da metade da produção da Usina de Itaipu). Outra alternativa defendida é a Re-potenciação de usinas com mais de 20 anos: ou seja, a simples troca de equipamentos ou modernização dos componentes e sistemas de usinas já existentes pode gerar um acréscimo de 6.800 a 7.600 MW (metade da produção da Usina de Itaipu) a custos bastante reduzidos e sem os impactos negativos trazidos pela construção de novas hidrelétricas.

Cabe destacar também a Geração de Energia a partir da Biomassa: somente utilizando o bagaço da Cana de Açúcar poderíamos aumentar em 3.000 MW o potencial instalado. Poderíamos ainda utilizar Casca do arroz, serragem, resíduos do papel e celulose. O Brasil aproveita pouco a Geração de Energia Eólica: O Brasil tem um potencial eólico (energia dos ventos) da ordem de 29 mil MW. Os maiores potenciais estão no Nordeste (Ceará e Rio Grande do Norte). Os estados do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul também têm bom potencial energético. Estas alternativas poderiam aumentar em cerca de 40% o potencial energético no Brasil sem construir nenhuma nova grande barragem.

IHU – Como a CPT avalia a posição favorável do governo estadual à construção dessa Usina?

RNS – Como salientei, há inúmeras alternativas a construção de grandes barragens como a UHE – Mauá. O que causa estranheza é que apesar dos inúmeros questionamentos apontados a respeito da proposta de construção da hidrelétrica de Mauá, por pesquisadores da UEL, das ações no judiciário e do posicionamento contrário da comunidade local, os órgãos responsáveis (IAP- Instituto Ambiental do Paraná e demais órgãos ambientais) têm autorizado e defendido a continuidade do processo. Esta posição destoa, por exemplo, das posições que o governo estadual tem tido no caso dos pedágios e dos transgênicos.

IHU – A CPT recentemente realizou em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, a sua 22ª Romaria da Terra, cujo tema é “Na luta da terra fazemos mudança; conosco caminha o Deus da Aliança”. Esta Romaria foi também em memória dos 50 anos da Revolta dos Posseiros no Sudoeste. Por que a CPT resgatou a história dessa Luta?

RNS – A revolta dos colonos de 1957 foi um importante marco da luta camponesa no Paraná. Esse processo ocorrido durante os anos de governo de Moisés Lupion de certa forma representou o conflito entre dois modelos de sociedade: um representado pelo capitalismo desenvolvimentista que tentava se apossar das riquezas e outro representado pelo povo, que reivindicava justamente os seus direitos adquiridos.

Esse contexto histórico é o pano de fundo da luta dos Colonos no Sudoeste, assim como em outros lugares do Paraná e do Brasil. Foram anos férteis de luta e organização dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, com muitas greves de assalariados e meeiros, arrendatários e camponeses que se recusavam a abrir mão de seus direitos e não queriam aceitar passivamente a opressão dos latifundiários atrelados ao Estado. A ação organizada dos colonos resultou na expulsão das companhias colonizadoras que atuavam e garantiram o perfil agrícola que permanece até hoje no Sudoeste, que é a predominância da pequena propriedade.

Isso fez com que essa região, hoje formada por 37 municípios, mantivesse 42% de sua população vivendo no campo, espalhados em pequenos municípios caracterizados pela agricultura familiar (87% das propriedades são consideradas familiares e 94% possuem área inferior a 50 hectares). Ou seja, o povo lutou e venceu, garantindo que a terra ficasse em suas mãos. De certa forma, a 22ª Romaria da Terra celebrou e fez memória da luta e da vitória dos colonos do Sudoeste, mas também procurou refletir e celebrar os desafios e as lutas presentes no campo no Paraná.

IHU – Quais são os elementos marcantes do ponto de vista sócio ambiental, presente nessa 22ª Romaria que possam ajudar na reflexão e enfrentamento dos desafios colocados para os trabalhadores hoje?

RNS – Uma questão forte das Romarias da Terra do Paraná tem sido a feira das sementes. De maneira especial, desde a 19ª Romaria, realizada no município de Cruz de Machado, a CPT tem motivado e celebrado as experiências de resgate e partilha das sementes crioulas. Estes momentos querem reforçar a idéia da semente como bem comum, como patrimônio da humanidade, e não como uma simples mercadoria. Assim, as feiras tem sido o local da troca, da partilha, da festa, do reencontro, do resgate de saberes e culturas. Neste ano, todos(as) os romeiros/as levaram para suas casas e comunidades sementes. Por trás desta questão das sementes, temos algo fundamental que é a autonomia dos camponeses/as frente às empresas transnacionais que atualmente controlam a agricultura.

IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens – 11/09/2007